quarta-feira, 23 de abril de 2014

Capitão América 2- O Soldado Invernal (2014) - A morte da Inocência

Os estúdios Marvel entram de cabeça na "Era de Ultron", que marca a transição para os Vingadores 2 e apresenta o melhor filme solo desde o início do projeto; com uma trama adulta e intrigante,  cujo foco deixa de ser o herói e passa ser o mundo e as corporações que o cercam.  

Nome Original- Capitain America: The Winter Soldier

Diretor- Anthony e Joe Russo

Roteiro- Adaptado dos quadrinhos do Capitão América criados por Joe Simon e Jack Kirby; por Christopher Marcus e Stephan McFeely

Elenco-Chris Evans, Scarlett Johansson, Sebastian Stan, Samuel L. Jackson, Emily Van Camp e Robert Redford


Parte Técnica- Trent Opaloch (F); Jeffrey Ford (E) e Henry Jackman(TS)


Data de Lançamento: 4 de Abril de 2014, nos EUA


  



A Marvel, desde que começou ela mesma a transpor os filmes de seus heróis para o cinema representou uma ilha de inocência nas suas películas, contrariando a concorrente Warner/DC ou as produções de outros estúdios envolvendo outros de seus personagens (cujos direitos foram equivocadamente vendidos nos anos 90), que viam no realismo fantástico e em tramas intrincadas e reflexivas a unica forma de sobrevivência de um gênero desgastado pela cômico exagerado e escolhas de produção equivocadas. Mesmo com sua opção tradiconal; o fanfarrão high-tech Homem de Ferro, saído das melhores aventuras sci-fi, o cavaleiresco Thor tirado da mais pura fantasia ou mesmo o primeiro Capitão América, um verdadeiro clássico aventuresco das antigas matinês garantiram, filme a filme, um estrondoso e merecido (pela qualidade do que era apresentado) sucesso de público e crítica, viabilizando o mega-projeto dos Vingadores, não menos fantástico e pueril; o maior êxito comercial dos estúdios até hoje. Porém a formula se desgastou: o caminho tradicional começou a cair na mesma galhofa antes criticada, as continuações perderam totalmente o vigor. Era preciso mudar a fórmula.  



   A sequência do Capitão América foi escolhida para carregar a missão de marcar essa passagem de uma era de inocência e descompromisso para o realismo fantástico. Por que justamente foi escolhido o Super Soldado para realizar tal empreitada? Ora, o primeiro filme era de longe o menos fantástico, especialmente em seu primeiro ato, antes de Steve Rogers se tornar um verdadeiro baluarte da liberdade nos campos de batalha da Segunda Guerra Mundial, mostrando bem como funcionava a propaganda e a venda de bônus de guerra, com uma brilhante reconstituição histórica. E como seria feito isso? Bem em primeiro lugar, aprofundando o desenvolvimento do herói,  transformando-o em um questionador homem fora de seu tempo. Enquanto esteve congelado, o mundo que conhecia simplesmente desapareceu e com ele, os antigos conceitos de liberdade e justiça que ele defendia também mudaram. Como lutar por alguma coisa em um mundo onde a liberdade é vigiada? Como ser justo em uma sociedade onde prevenir atos criminosos é mais correto que puní-los? 

  Tais questionamentos são reforçados não pelas atitudes do herói, mas pela trama com maior foco na sua organização a SHIELD. Inspirada na verdadeira captação de cientistas alemães para trabalharam a serviço governo americano, acaba por criar a estranha sensação que, com isso, as antigas ideologias e conceitos perduraram. A HYDRA, inimiga que se acreditava destruída, uma peça de museu, está mais viva que nunca. E junto com ela um clima de insegurança e tensão perenes, somos jogados em um verdadeiro filme de espionagem no melhor estilo clássico, onde não existem mocinhos e bandidos, apenas uma zona cinzenta de pura incerteza. O próprio Soldado Invernal, vendido como nêmesis da produção, acaba se mostrando um grade joguete do verdadeiro vilão, sem rosto e extremamente perigoso. Recheado de cenas de ação bem executadas e de um apuro técnico invejável (sendo superável apenas pela primeira aventura do herói devido a sua direção de arte impecável), ainda abre espaço para a reflexão: qual será o papel do herói no mundo moderno? É ele um joguete do sistema ou um modelo de valores? E é a missão do Capitão nos responder isso ao longo da película.

  Chris Evans mostra toda a insatisfação e desconforto de um personagem que representa o que há de mais forte na moralidade. É tocante perceber as nuances da dor do protagonista em não pertencer a lugar nenhum, ser um atavismo e ao mesmo tempo necessário; ter uma vida inteira pela frente e ao mesmo tempo ter perdido tudo que tinha para viver. É a melhor atuação do universo cinemático, assim como uma imersão completa que nos consegue transmitir toda a complexidade do herói e ainda garantir nossa empatia quase automática. Scarlett Johansson transforma a Viúva Negra em muito mais que uma simples femme fatale, dando a personagem uma admirável sagacidade. Samuel L. Jackson tem a oportunidade de desenvolver todas as nuances do misterioso Nick Fury em  uma atuação irrotocável. Anthony Mackie nos mostra com seu Falcão que nem todo sidekick é um zero a esquerda e, por fim, Robert Redford nos mostra porque é um dos mestres do cinema ao interpretar um dissimulado diretor da SHIELD. O unico ponto negativo fica por conta de Sebastian Stan, o Soldado Invernal, uma verdadeira caricatura, no entanto que funciona muito bem como "alívio fantástico".
 
   Os irmãos Russo acertam em cheio e atingem a necessidade dos heróis da Marvel se reinventarem, sem no entanto, perderem boas doses de humor e fantasia, obviamente tudo em seu devido lugar com um timming perfeito. Talvez essa ruptura nem tão radical assim seja importante para a construção da chamada Era de Ultron, afinal, super-heróis são parte essencial do imaginário infantil que todos devem carregar até o fim da vida. Porém as escolhas de direção em nome de uma redução significativa do descompromisso que tendia tomar de assalto a franquia mostraram umn importante e ousado passo para novas construções temáticas e um reforço na qualidade das histórias desenvolvidas. Capitão América 2 não representa uma chegada a idade adulta de um universo cinemático, mas uma adolescência pé no chão e criativa que vê a primeira como um futuro necessário. Resta apenas que as veredas percorridas nos próximos filmes demonstrem que estamos sim diante de uma evolução e não uma regressão à Era da Inocência. 




PS: A cena pós créditos é de explodir a cabeça.

PS2: A trilha sonora de Henry Jackman é acertadíssima, uma mistura do clássico aventuresco com o eletrônico moderno (especialmente nas aparições do Soldado Invernal). E a referência a trilha de Troubleman de Marvin Gaye a cereja do bolo nos ester eggs do filme.

NOTA: 9,5

sábado, 5 de abril de 2014

Noé (2014)- Espelho da natureza humana

 
 Nome Original- Noah

Diretor- Darren Aronofosky

Roteiro- Adaptado da história bíblica de Noé presente no livro do Gênesis; por Darren Aronofsky e Ari Handel

Elenco- Russel Crowe, Jennifer Connelly, Logan Lerman, Anthony Hopkins e Emma Watson


Parte Técnica- Matthew Libatique (F); Andrew Weisblum (E) e Clint Mansell (TS)


Data de Lançamento: 10 de Março, na Alemanha e no México





Em seu retorno às telas, o mestre das obsessões realiza o antigo projeto pessoal de fazer um épico bíblico, escolhendo, para tanto, a história da Arca de Noé; inovando um gênero que já foi carro-chfe de Holywood com densidade e muita reflexão. No entanto, nem tudo são flores...

  O épico, na décadas de 50 e 60, a era de ouro de Holywood, e juntamente com o gênero musical e o western, reinou. Nesse reinado vimos grandes obras como Quo Vadis, Spartacus e Cleópatr; situadas na antiguidade histórica ou no Medievo, com seus eternos personagens maquinadores,romantizados em nome da arte. O gênero, igualmente, encontrou na Bíblia sua alma gêmea. Surge então o subgênero do épico bíblico, que tem como maior representante Ben-Hur, um dos 3 filmes recordistas de prêmios da academia com 11 estaturtas, assim como obras do cacife de Os Dez Mandamentos e O Manto Sagrado, imortalizadas. No entanto, como tudo que é bom acaba um dia. Não que isso tenha trazido ao cinema um período de trevas; pelo contrário: a realidade das ruas e noticiários ganhou espaço e, em nome de produções autorais, e o gênero foi reduzido a segundo escalão.



Porém, o gênero não morreu. Na década subsequente podemos encontrar boas obras, como o político Reds e algumas cinebiografias. Ressurgiu com força nos anos 90 e 2000 amparado pelo cinema de ação carente de boas histórias e brucutus; mas, infelizmente, as prodições de péssimo gosto e qualidade dominaram, sendo Gladiador, Coração Valente e 300 exceções ao mar de lama. Quando Darren Aronofsky, um diretor mais alinhado a uma linha alternativa e autoral, anunciou que iria filmar um épico bíblico sobre Noé o mundo do cinema se espantou; era um filme totalmente fora da curva de suas histórias de cunho psicológico. Ou será que não?

  A primeira grande mudança no mito bíblico do homem que construiu uma arca para salvar a criação divina de um dilúvio destinado a limpar os males da Terra foi o plano de fundo. O mesmo se aprofunda na mitologia bíblica, trazendo anjos caídos, desolação e destruição da natureza e, principalmente morte. Se aprofunda também na filosofia: estamos diante de um estudo sobre o Estado de Natureza Hobbesiano, em que prevalece a lei do mais forte, a precariedade da vida, a ausência de segurança e a incapacidade do homem em se auto determinar. Esse foi o primeiro grande acerto da trama. O segundo, assim como a segunda revolução, foi a presença do tema da obsessão, carro chefe do diretor. Mas onde ela apareceria? Seria o filho do meio de Noé (Logan Lerman), obcecado por uma esposa? Ou nos homens que buscavam sobreviver ao dilúvio? Não, e, infelizmente, essas duas subtramas se unem em uma nova, de vingança, extremamente previsível (apesar de suscitar excelentes reflexões sobre o papel do homem na criação): ela aparece na própria missão do personagem título.


   Noé (Russel Crowe), que sempre se considerou um homem bom por não descender da linhagem de Caim, que povoou o mundo com pecado e destruição, acaba por descobrir que o homem é naturalmente mal, apesar de seu dom para o bem. Portanto, a construção da arca, a ser preenchida com dois animais de cada espécie, seria uma forma de salvar a criação divina pura; e erradicar a impura, qual seja, o homem. Tal é a interpretação tomada pelo protagonista, que fica tomado por essa missão, nem que, para isso, tenha que passar por cima de sua família. É aí que reside a densidade do filme, é daí que sairá sua poderosa mensagem: na obsessão de Noé por cumprir o que lhe ordenou seu Pai e Criador, nem que tenha que ir as ultimas consequências e negar tudo aquilo que mais ama. No entanto, essa força narrativa apenas aparece no segundo ato do filme, ficando o primeiro ato, embora com excelentes cenas, prejudicado por uma grande lentidão e de conflitos realmente interessantes.

  Essa falta de ritmo se deve muito a edição. Embora excelente no primeiro ato ao que tange as visões do personagem título, ela é arrastada e, as vezes, chega a lembrar cenas de documentários pobres que podem ser vistos no Discovery Channel; enquanto que no segundo ato é a catalizadora de todo o dinamismo da película. Assim também são os efeitos visuais, ora obsoletos e mal acabados, ora simplesmente brilhantes e artisticamente irretocáveis. Mas, tirando isso, os outros detalhes técnicos são irretocáveis: a fotografia, ora grandiloquente para exprimir a pujança dos anseios do Criador e da importância da missão de Noé, ora escura, fechada e intimista para retratar os conflitos internos dos personagens; a direção de arte impecável que dá um aspecto fantástico a trama; e a trilha sonora de Clint Mansell, inspiradíssima, um de seus melhores trabalhos sem sombra de dúvidas.



  No que tange as atuações, temos um Russel Crowe simplesmente monstruoso em tela como Noé, que disseca todos os elementos desse conflito interno com uma maestria de poucos; criando um personagem denso, sombrio e inesquecível. Uma atuação única, poderosa, brilhantemente estruturada e icônica. Jennifer Connelly, especialmente na segunda metade do filme, mostra todo seu potencial dramático em cenas carregadas de emotividade sem sentimentalismos baratos. Logan Lerman mostra porque é um dos melhores atores da nova geração, com um excelente desenvolvimento de personagem, dissecando igualmente as dúvidas a que ele está submetido; no entanto, prejudicado, bem de leve, pelas escolhas do roteiro. As demais atuações, inclui-se ai a de Anthony Hopkins, são limitadas pelas escolhas da trama, e não fogem muito disso. Por outro lado, Emma Watson se mostra exagerada e extremamente caricata, abusando de caras e bocas, em uma atuação muito pobre.

  Darren Aronofsky, em Noé, ficou longe de conceber seu melhor filme. Porém, não podemos negar que seus pontos positivos são variados: a trama não deixa de ser inventiva, seu carro-chefe, a obsessão está presente, afiadíssima como nunca; o elenco é acertado; as escolhas técnicas boas apesar de uma falha aqui e outra ali. É um filme ambíguo, apontado não só pelos seus atos distintos, como por sua mensagem: o homem é ao mesmo tempo bom e mau, e cabe ao próprio decidir qual caminho vai tomar. Funciona, conscientemente ou não, como um espelho dessa natureza humana.E, ao fim da projeção, chegamos à conclusão de que a missão de Noé, na verdade, é descobrir o poder do livre arbítrio, a maior dádiva dada por Deus aos homens. É uma mensagem poderosa e completamente alinhada ao espírito da Bíblia, apesar de toda a autoralidade aplicada à película. Assim, Aronofsky não só dá novos ares ao gênero, mas mostra, negando o que havia sido constatado nos tempos idos do cinema de autor, que o bíblico e o inventivo podem andar de mãos dadas.

NOTA: 7,5