sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

A Menina que Roubava Livros (2013)- Ou a Matéria, o Poder e a Forma de um Melodrama

  A adaptação do célebre best-seller de Markus Zuzak até que tenta mostrar algum conteúdo para além de uma história, como tantas outras, acerca da Segunda Guerra Mundial; no entanto, falha, buscando apenas uma coisa de seus espectadores: cachoeiras de lágrimas. 


Nome Original- The Book Thief 

Diretor- Brian Percival 

 Roteiro- Adaptado por Michael Petroni, baseado em livro homônimo escrito por Markus Zuzak 

Elenco- Sophie Nélisse, Geoffrey Rush, Emily Watson, Ben Schnetzer e Nico Liersch


Parte Técnica- Florian Ballhaus (F); John Wilson (E) e John Willians


 Data de Lançamento: 27 de novembro de 2013, nos Estados Unidos e Canadá 


 


  Hollywood, não só no cinema, mas igualmente na TV, tem se tornado cada vez mais dependente das adaptações literárias. Claro, tais obras trazem um retorno certo, aqueles que cultuam sua forma escrita são figuras certas nas salas de cinema do mundo inteiro, seja para apreciar o trabalho que foi feito ou para criticá-lo porque não foi uma transmissão ipsis literis do livro para as telas (sendo esse segundo comportamento, irritante e burro por sinal, o mais comum). E entre erros e acertos tem vivido os grandes estúdios: alguns, como Jogos Vorazes, Harry Potter e Senhor dos Anéis alcançaram aplausos e públicos invejáveis; outros como Crepúsculo e Crônicas de Nárnia foram sucessos de bilheteria apesar do tremendo insucesso com os especialistas; por fim, filmes como Ender's Game e Cidades dos Ossos foram verdadeiros fiascos.

  Ao colocar suas mãos nos direitos de A Menina que Roubava Livros, uma obra aclamada pelo público e crítica, considerado por muitos um clássico moderno, os Estúdios Fox esperavam alcançar o primeiro grupo, detonar as bilheterias, concorrer a prêmios, ser uma unanimidade dentre os especialistas. A história sobre Liesel, sua família e o judeu escondido em seu porão em uma Alemanha dominada pelo Nazismo e assolada pela guerra é um tiro certeiro, com toda certeza vai se tornar uma indelével obra da sétima arte. Com um material original desses em mãos, o que pode sair errado? Bem, ao que parece, tudo. Os críticos o consideraram mediano, as grandes premiações o esnobaram. O público tende a crescer, uma vez que ainda não foi lançado em muitos mercados europeus e na América Latina, mas é bem tímido para um filme lançado a quase dois meses nos EUA. Como isso é possível? Justamente a adaptação para as telas, e aqui a comparação é incomparável, não apresenta a carga de conteúdo do livro.

  Obviamente esta é uma analise do filme, portanto, o livro fica para outro momento. E, como é uma mídia diferente, deve o filme funcionar independente de seu material original, ser minimamente compreensível. Não, ninguém  é obrigado a ler o livro que deu origem à película. Nisso o filme acerta (caso contrário, seria um verdadeiro desastre). E acerta também na trama envolvendo o judeu abrigado pela família de Liesel. E é nesse momento da narrativa que temos um bom desenvolvimento do suspense, um belo relacionamento entre o fugitivo e a personagem título e a mensagem da obra: palavras são poder. Mas melhor parar por ai com os elogios. A mensagem que o filme quer nos passar é desenvolvida de uma forma superficial, simplesmente em uma ou outra cena de rara beleza, ficando totalmente esquecida no restante da película salvo momentos pontuais, mas sem a mesma vivacidade: a graça é ver Liesel e Max, seu companheiro. Era esse momento que deveria tomar a maior parte do tempo em tela. Nem mesmo a tensão da quase descoberta de Max, não, é seu relacionamento com a menina ladra de livros, são seus debates quase poéticos, a beleza que se esconde na descoberta das palavras, é isso que o filme tem que desenvolver.Entretanto, entram o melodrama e o choro exagerado  em cena, e estes, infelizmente, tomam conta da obra. São tantas situações que tentam arrancar as lágrimas do espectador, por qualquer motivo, artificiais, forçadas. São lágrimas e mais lágrimas dos personagens que acabam por limpar também qualquer emoção que possa sentir o espectador: é uma grandiloquência desnecessária, que vai de encontro à alma poética que a obra poderia vir a ter, tenta atingir a catarse em qualquer situação e quando poderia conseguir simplesmente nada provoca. Na busca incessante por preencher os corações da platéia acaba por alcançar um imenso vazio.


   Mesmo que presos a esse roteiro extremamente folhetinesco, o elenco faz um bom trabalho. A revelação Sophie Nélisse consegue fazer uma personagem título tímida e poderosa em alguns momentos, passando por todos os arcos narrativos, infelizmente, sendo forçada a cair no melodrama. Outra revelação, Nico Liersch, faz Rudy, melhor amigo de Liesel, tem um excelente papel como alívio cômico e só, sendo bem fraco quando descamba para o drama. O sempre excelente Geoffrey Rush faz um papel tocante como o pai de Liesel, um homem no meio de tantos déspotas nazistas. Mas os louros da grande atuação ficam com Emily Watson, que imprime uma profundidade ímpar a mãe de Liesel, uma mulher durona, forte e desbocada mas que não consegue esconder toda sua bondade e carinho, por mais que tente; e Ben Schnetzer, que faz Max, o judeu, um personagem de primeira estirpe, que, mesmo no horror em que vive tenta buscar a beleza e a poesia nas palavras. Uma atuação fantástica e inebriante a ser lembrada em um filme tão apagado.

  Tecnicamente a obra tem também seus méritos. A direção de arte é primorosa, nos mínimos detalhes, nos joga na Alemanha Nazista em toda sua monstruosidade e claustrofobia. A edição dita um excelente ritmo ao filme, marcando passagens temporais ou ajudando a narrativa em off (que só aparece quando conveniente, bem diferente de um Scorcese ou Tarantino) e os 130 minutos de projeção não cansam. A fotografia ora é grandiosa, com grande trabalho de planos abertos e cores pouco vivas; ora é intimista, trabalhando em prol dos exageros dramáticos que o filme, infelizmente, desenvolve; ficando um pouco a desejar e não passando de correta. John Willians assina uma trilha inspirada e nos lembra, mais uma vez, porque é um dos melhores de Hollywood e da história da sétima arte.


  Por fim, temos o trabalho de direção. Brian Percival é um realizador saído da TV, o que denota o porque da opção por arcos mais melodrmáticos e extremamente emotivos, quase uma novela, do que por um filme que se aprofunda nas idéias que apresentou como um aperitivo. Um Spielberg, por exemplo, seria o nome mais indicado para obra: além de um grande gênio das boas histórias, sempre soube usar a emoção sem exageros e nos momentos certos, realmente provocando reações e choros inesperados na platéia. Faltou experiência e, principalmente, saber o caminho das pedras ao diretor. Quis mais, quis arrebatar o público, tecer cachoeiras de lágrimas, uma busca quase obsessiva por isso, especialmente no ultimo ato de filme. Conseguiu de alguns mais sentimentais, obviamente, mas infelizmente caiu no exagero, no desnecessário. Tomando a liberdade de modificar uma das frases mais geniais do cinema, proferida pelo personagem Roy Batty, de Blade Runner, fruto de um improviso de seu intérprete, Rutger Hauer, concluo essa resenha: vi em A Menina que Roubava Livros uma trama de primeira, com uma mensagem positiva  e boas situações dramáticas; porém tudo foi perdido em nome do choro, como lágrimas na chuva.

NOTA: 6

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