quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Ninfomaníaca- Parte I (2013)- A psicanálise do sexo

   Ao transformar a tela num divã, Lars Von Trier disseca todas as facetas do sexo e do prazer, acompanhado por uma atuação brilhante da estreante Stacy Martin. Refinado e intenso, o filme pode ser definido com uma única e simples palavra: genial. 


Nome Original- Nymphomaniac- Volume I

Diretor- Lars Von Trier

 Roteiro- Original, de Lars Von Trier

Elenco- Charlotte Gainsbourg, Stellan Skarsgard, Stacy Martin e Shia La Boeuf 


Parte Técnica- Manuel Alberto Claro (F); Morten Hojgberg e Molen Marlene Stensgaard (E)


 Data de Lançamento: 25 de dezembro de 2013, na Dinamarca






    Sigmund Freud, pai da Psicologia, acreditava que o sexo é a energia primeira da vida humana, e também a causa de todos os traumas e fobias. Com toda uma teoria psicanalítica calcada no desejo sexual e nos possíveis malefícios de sua repressão, o médico austríaco revolucionou a forma de compreender o ser humano e criou a primeira nau a sagrar o infinito oceano do subconsciente. Certamente foram seus estudos a maior inspiração de Lars Von Trier em seu novo filme, onde coloca o sexo no divã e inicia a sua análise. 

  A película se inicia com Seligman (Skarsgard) encontrando uma mulher ferida na rua (Gainsbourg).  Convencido pela mesma a não chamar qualquer serviço de socorro médico, a leva para sua casa para ajudá-la e saber as origens de seu acidente. A mesma, que se chama Joe, acaba por se definir como uma pessoa detestável, e foi essa característica que a levou a tão deprimente estado. Intrigado , inicia uma verdadeira sessão de psicanálise, cujo fio condutor principal é o traço mais marcante da personalidade de Joe: seu incontrolável impulso sexual. 


   Eis aí o grande mérito do filme: ele não se atém a um simples estudo de personagem e de seu vício sobre o sexo,  também passa a questionar e analisar as diversas facetas desse elemento humano. As diferentes etapas da vida de Joe são manifestações genuínas do ato sexual, assumindo ele as seguintes formas: a descoberta de si mesmo na infância e na adolescência, um jogo, sua abstinência em nome do amor, sua ousadia, o desprendimento que gera, a beleza, a dor, o mistério, a força destrutiva, música, perda ... enfim, um verdadeiro desfile de sua camaleônica capacidade de se alterar segundo as vicissitudes que o envolvem. Tudo isso acompanhado com brilhantes analogias à pesca, à literatura, à matemática e até mesmo a Bach e sus polifônicas composições, envolto em um humor negro escancarado, mas igualmente refinado e extremamente informal e divertido. 


  As atuações são um capítulo a parte. Se Charlotte Gainsbourg ficou apagada nessa primeira parte, servindo apenas como narradora da história; Stellan Skarsgard rouba a cena como seu analista, servindo como lado intelectual da relação. São de seus comentários que saem as analogias que tanto enriquecem o enredo, são suas conclusões contrárias as constatações
 de sua "paciente" que envolvem o espectador na trama, sedento por respostas. No entanto,o grande destaque é a estreante Stacy Martin, que interpreta Joe em sua juventude. É ela a grande força do filme, passando por todos os arcos dramáticos possíveis: por vezes é tímida, por outras é extremamente sedutora apenas pelo olhar, ora exprime o puro prazer (ou o dissimula para que todos os homens fiquem a seus pés) ; ora transmite uma intensa fragilidade pelo amor não correspondido. Uma grande atuação que torna ainda mais intrigante a personagem que é, capítulo por capítulo, construída. Outros destaques são a atuação discreta porém marcante de Shia LaBoeuf e Uma Thurman, que toma todos os holofotes para si em um dos melhores segmentos do filme. 

   A edição é primorosa, dando um  ritmo frenético e inventivo ao filme  e permitindo ao máximo a exploração dos diferentes momentos de sua cronologia, assim como a explicação detalhada de muitas das referências e, igualmente, pontuando situações bem humoradas. Uso de flashfoward, logotipos, fotos, imagens que parecem sair de um video do Youtube; tudo é permitido, e tudo eleva a experiência a melhor possível. A fotografia também é de excelência, com planos ora abertos, ora bem intimistas, porém com um grande foco nas expressões e movimentos de Stacy, auxiliando muito sua primorosa atuação. A trilha sonora é quase inexistente na maior parte da projeção, no entanto aparece com grande força em momentos pontuais, tendo função narrativa. Bach se mistura com Steppenwolf promovendo momentos interessantes.  


  Lars Von Trier ousou, isso é um fato. Sutil em alguns momentos, escancarado em outros, amarrando diversos elementos de sua narrativa de maneira natural. Sim, o filme pode chocar os mais puristas em determinadas cenas, entretanto é extremamente divertido e, em alguns momentos, descompromissado com qualquer realidade. Isso, claro, sem perder sua genial mensagem: existem mais elementos culturais ligados ao sexo do que supõe nossa vã filosofia, o sexo faz parte da vida e a vida se exprime pelo sexo. O corte brusco no fim do filme, também brilhantemente posicionado, aumenta ainda mais o afã das massas cinéfilas por sua continuação (que está marcada para chegar nos cinemas brasileiros no fim de março),e , pelas poucas imagens que foram exibidas nos créditos, demonstram que vai focarem um lado mais visceral do sexo, sem, no entanto, perder sua carga intelectual que coroou este primeiro filme. Se a mensagem de Freud para o mundo é que o desejo sexual é a origem da personalidade, Lars Von Trier segue a risca os ensinamentos do mestre, e faz com que o mesmo seja o fio condutor de uma intrigante e conturbada vida. 


NOTA: 10

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