sábado, 2 de abril de 2011

Cisne Negro (2010) - O Mozart vs. Salieri da alma

Com um filme que trata da perfeição, Darren Aronofsky alcançou com seu trabalho o que poucos, até hoje, conseguem: criar uma verdadeira obra-prima. 

Nome Original- Black Swan 

Diretor- Darren Aronofsky

 Roteiro- Original, escrito por Mark Heyman, Andres Heinz, John McLaughlin e Andres Heinz

 Elenco- Natalie Portman, Mila Kunis, Vincent Cassel, Wynona Ryder e Barbara Hershey

´Parte Técnica- Matthew Libatique (F), Andrew Weisblum (E) e Clint Mansell (TS)

 Data de Lançamento: 1 de setembro 2010 (Festival de Veneza)


   Engana-se quem pensa que Cisne Negro é um filme sobre ballet. Sim, a clássica dança têm importância vital na trama, sendo é o catalizador da verdadeira temática: a busca da perfeição, assim como as suas mais diferentes formas. Darren Aronofsky (Requiem para um Sonho), por sua vez, trabalhou-a magistralmente, fazendo uso de uma técnica impecável e de e de recursos metalinguísticos interessantíssimos; em um roteiro envolvente e surpreendente e com uma escolha de atores que não poderia ser melhor: uma pura expressão do cinema arte. Esses elementos todos serão analisados a seu tempo. Agora, leitor, delicie-se pela megistral história desse filme.
Aronofsky orienta Natalie Portman: um casamento fenomenal em cena
   O filme começa mostrando Nina Sayers (Portman), em um sonho, onde interpreta a Princesa do clássico Ballet de Tchaikovsky  Lago dos Cisnes, no momento em que o personagem é transformado pelo terrível mago Siegfried em Cisne Branco, em uma cena belíssima, e que nos dá uma dica de como vai ser trabalhada a fotografia ao longo da película(cortes rápidos de câmera, muito uso de jogo de luzes). Quando Nina acorda, recebemos importâncias vitais sobre sua vida: ela mora com a mãe e dedica-se inteiramente ao balett, sendo parte de uma companhia de dança nova-iorquina e com aspiração de conseguir um papel de importância na mesma.
     Sua vida começa a mudar quando é escolhida pelo diretor da companhia Thomas Leroy (Cassel) para protagonizar a já citada obra, mas com uma certa peculiaridade: a protagonista teria que interpretar os  papéis antagônicos da trama, o Cisne Branco, marcado pela inocência e romantismo; o Cisne Negro, marcado pela sensualidade e malícia. Nina crê de início que não havia conseguido lograr seu grande objetivo na audiência, devido a falhas na sua interpretação, marcadas ainda por um erro, gerado pelo fato dela ter se distraído com a entrada da bela e enigmática Lily (Kunis) na sala de ensaios. Porém, para sua surpresa conseguiu o papel, o que levou ao início de todos seus problemas.
O Cisne Branco representa a técnica apurada
   Devido ao fato dos dois personagens terem características diferentes, Nina deveria desenvolver tipos de danças diferentes: para o Cisne Branco, uma dança essencialmente técnica, o que ela dominava de maneira magistral; e o Cisne Negro, que demanda uma dança mais intuitiva, baseada na espontâneidade do artista, o que ela, de maneira nenhuma conseguia desenvolver. Thomas então decide estimulá-la a produzir esta nova faceta ( e ao mesmo tempo, tirar aquela casquinha), buscando vencer o cartesianismo a que ela está submetida. Começamos então a ver elementos da vida de Nina: ela não tem vida social e nunca pareceu ter, vive sobre uma ditadura da perfeição técnica imposta por sua mãe (Hershey) , é extremamente tensa e tem seus sentimentos inibidos. Durante esse processo, aproxima-se também de Lily, dançarina em quem Thomas vê toda a leveza e sensualidade do Cisne Negro e também a sua potencial ameaça.
    Começa aí um processo que lembra muito o clássico Amadeus (1984), de Milos Forman: assim como Salieri odiva Mozart por esse ter roubado seu lugar como grande compositor, este o admirava por suas músicas técnicamente perfeitas, Nina passou a temer Lily por ser a única que poderia roubar seu papel, assim como admirá-va por ela ter as qualidades essenciais para um Cisne Negro brilhante .Depois de uma noite em que ambas saíram juntas à um night club, o que ocasionou uma briga com sua mãe; Nina acabou sendo dopada e teve uma fantasia sexual muito intensa (diria que é tão bela de se ver que não pode ser caracterizada por um só adjetivo!) com Lily. Por isso, chegou atrasada ao outro dia ao ensaio e viu que esta havia ocupado seu lugar; crendo na premeditação da mesma para tal fim mais do que nunca, .
    Cada vez mais atormentada com essa idéia, Nina passa a praticar cada vez mais sua dança, de uma maneira quase masoquista, não se importando com eventuais flagé-los físicos. Além disso, sua bizarra experiência com Lily havia despertado nela sensações totalmente novas que mostravam a existência de um verdadeiro monstro dentro de si. No dia da apresentação seu psicológico simplesmente chega ao limite e explode: ao pegar sua potencial rival em um ato sexual no teatro (que ela pensou ser Thomas), começou a ter alucinações terríveis e chegou ao ponto de agredir sua mãe. Ao se ver no espelho percebeu o surgimento de penas negras por sua pele: ela estava fiscamente se tornando no Cisne Negro, e, por fim desmaiou. Ao acordar, percebeu que estrava atrasada para a apresentação e saiu em disparada para o teatro, apesar da resistência oferecida por sua mãe, que havia visto a que ponto a busca pela perfeição a tinha desvirtuado.
O Cisne Negro representa a inspiração pura do artista
   Ao voltar a seu camarim extasiada, começa a preparae-se para o terceiro e último ato, o gran finale. Porém, alguém bate a porta.... ERA LILY! Nina então não compreende o que se sucedeu, e olha o banheiro do camarim, desesperada... vazio. Percebe então, já com a roupa de Cisne Branco, um pequeno caco de vidro em seu estômago. Em uma metalinguagem digna de gênio com a peça, Aronofsky nos mostra o que realmente aconteceu: o "Cisne Negro", o lado intuitivo de Nina, por tanto tempo latente em seu subconsciente e inibido pelo rigorismo técnico que ela infligia a si mesmo tinha se libertado; mas para fazer isso teve que matar, destruir o que toda essa técnica representava, destruir o "Cisne Branco" que havia em si, e, com isso se auto flagelar. Confesso que fui enganado por tal brilhante diretor ao achar que, mais uma vez, Nina estava delirando. Quando sobe para fazer a cena final, o sacrifício do Cisne Branco na peça, Nina estava realmente ferida. Porém, não se importando com o fato, enquanto agonizava, repetia para si mesmo: "foi perfeito". Para o Cisne Negro vencer, o Cisne Branco teve que morrer. Mozart e Salieri desenvolveram seu enigmático embate o tempo todo em sua mente.
O roteiro brinca com o espectador e o presenteia com um final fora de série
     Nem preciso dizer o quanto eu gostei desse roteiro genial. O elemento que eu achei mais sensacional foi a já citada metalinguagem: ao tratar do conflito existencial de Nina, a sua busca pela perfeição em suas duas facetas, buscou o conflito no ballet que ela desempenhava; metaforizou o conflito entre a intuição e a técnica como se fosse o dos Cisnes. Outro ponto bastante agradável é como ele trabalhou os flagelos físicos e mentais de Nina de forma ultrarrealista e, pelas suas alucinações, como ele estava debilitada ao final do processo. Não preciso nem dizer que o uso de um Plot Twist desse gabarito foi sensacional, ajudou bastante a criar um clima de suspense. Creio que a busca pela perfeição e suas formas nunca foram tão bem retratadas e matyerializadas num filme.
     Quanto a parte técnica, não tem como descrevé-la. Ela trabalha em total harmonia com o roteiro, ajudando-o a enganar o espectador quanto o que é real e o que é alucinação. Além disso, potencializa seu ultrarrealismo, ao mostrar de forma visceral (que em algumas cenas beira a escatologia) o que Nina infligia para si na busca pela perfeição. Vemos nas últimas cenas do filme uma união mais que perfeita (se isso é possível) da fotografia (belíssima), edição e trilha sonora (brilhante, desenvolvida a partir de variações da trilha original do Lago dos Cisnes feita por Clint Mansell, e pra Tchaikovsky nenhum botar defeito), efeitos especiais (empregados de maneira homeopática e em momentos cruciais, intensificaram as alucinações) e elementos do cenário. Por falar nesses, o seu uso é simplesmente brilhante, especialmente o de espelhos, que mostraram aos mais atentos que tudo não se passava de um embate interno.
A bela Mila Kunis é uma das boas surpresas do filme
    Quanto às atuações, são todas fora de série. Natalie Portman deixa o seus trejeitos de mulher forte e moderna que teve em outros filmes (V de Vingança, Closer) e desevolve uma personagem frágil e desequilibrada, tendo como ponto alto as viscerais cenas de explosão emocional, de liberação de demônios em confronto. Mila Kunis (Uma Noite Fora de Série) consegue imprimir toda a leveza ao seu personagem, mantendo sempre a aura enigmática que o roteiro demandou para sua construção. Vincent Cassel (À Deriva) desenvolve também magistralmente o ambíguo Thomas: ao mesmo tempo que quer que Nina seja um sucesso, imprime muito bem suas reais intensões (bem libidinosas, diga-se de passagem). Barbara Hershey (Hanna e suas Irmãs) também desenvolve um papel ambíguo, potencializando as duas facetas da mãe de Nina: ao mesmo tempo que exprime o quão carinhosa ela é, exala um ar ditatorial, dominador, na busca de projetar da na filha todas as suas frustrações e escolher para ela o caminho que queria seguir.
O uso de espelhos é uma dica para os mais atentos
     Coube a Darren unir todos esses elementos. E a harmonia foi total, um verdadeiro casamento. Uma história poderosa, com uma parte visual espetacular, uma trilha sonora marcante, e é claro, atuações que potencializam ao máximo os temas do enredo. Uma verdadeira expressão do cinema como arte, decido a essa harmonia; e, ao mesmo tempo um filme que constantemente mexe com o espectador, com suas crenças, sentimentos e sentidos. Uma obra-prima de um talentosíssimo diretor. Um filme que atingiu a perfeição.


QUESITOS:
Atuações: 10
Roteiro: 10
Técnica(fotografia e edição): 10
Trilha Sonora: 10
Direção de Arte (cenários, figurinos, maquiagem,etc...): 10
Direção: 10

NOTA FINAL: 10 (à enésima potência)

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