sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

O Lobo de Wall Street (2013)- Sexo, Drogas e Dinheiro

  Scorcese volta a sua antiga estrutura narrativa para contar a opulenta vida de um Yuppie sem limites. O resultado é bem satisfatório, embora o filme peque em elementos essenciais da excelente filmografia do diretor. 


Nome Original- The Wolf of Wall Street

Diretor- Martin Scorcese

 Roteiro- Adaptado por Terence Winter, baseado em um livro de mesmo nome escrito por Jordan Belfort

Elenco- Leonardo DiCaprio, Matthew McConaughey, Jonah Hill e Margot Robbie


Parte Técnica- Rodrigo Prieto (F); Telma Schoonmaker (E)


 Data de Lançamento: 25 de dezembro de 2013, nos Estados Unidos, Canadá e Europa






  Goodfellas ou, na tradução nacional, Os Bons Companheiros, é, quiçá, o melhor filme do gênero de máfia da história do cinema. Nele, Martin Scorcese busca a realidade das ruas de Nova York, retirando todo o romantismo e qualquer moral que os filmes lançados anteriormente desenvolveram. Ao mostrar a vida como ela realmente é criou uma obra prima, marcada por uma estrutura narrativa muito peculiar, personagens diversificados e com aspirações bem distintas, tristes almas perdidas entre códigos de conduta e desejos pessoais, todos bem interpretados por um elenco de primeira qualidade com nomes como De Niro, Joe Pesci, Paul Sorvino e Ray Liotta. Em O Lobo de Wall Street, o diretor retorna a essa estrutura, e em uma nova parceria com Leonardo DiCaprio, entra no imoral mundo dos corretores de ação.

  O filme conta a história de Jordan Belfort, um ambicioso corretor de ações que quer ser rico. Com o tempo, aprende os macetes do mercado e como ludibriar pessoas a comprar pencas de ações baratas e sem nenhum retorno. Acaba por construir sua própria agência juntamente a outros corretores igualmente inescrupulosos, um polo para pessoas que querem ficar ricas do dia para a noite, construindo um verdadeiro império de especulações e operações ilegais. Com o dinheiro vem a ostentação: carros, prostitutas, orgias, gastos exorbitantes em luxos sem o menor sentido, iates, drogas... Uma vida sem regras e sem limites que contamina a todos com loucura e insatisfação com o que se ganha. O mais vira um mantra, e o assim intitulado Lobo não consegue perceber que tudo tem uma consequência.


  O grande trunfo do filme justamente é introduzir o espectador nesse vórtice de loucura e imprevisibilidade, nos vícios e no caminho de pura imoralidade que é traçado pelos personagens. Há uma apreensão no ar quanto qual é a próxima excentricidade que gerará risadas, o próximo exagero que deixará os queixos caídos ou simplesmente o momento em que tudo vai começar a dar errado. Tudo isso pautado por diálogos deliciosos que sempre carregam consigo uma carga de nonsense ou simplesmente situações extremamente cômicas de tão absurdas e irreais que são.

  No entanto, seu grande pecado é, justamente no seu desenvolvimento de personagens. Pode até ser que o objetivo de Scorcese, ao falar de uma sociedade em que o ter é mais importante que o ser, leve a isso; mas sua "fauna" fictícia é muito rasa, unidimensional, superficial, o que é muito estranho se comparado com qualquer obra do diretor. A culpa não é dos atores, longe disso, como será dissertado no momento oportuno; mas sim do roteiro, que limita, inclusive, as possibilidades interpretativas.  Não existe nada que se assemelhe a um Travis Bickle e a sua ânsia pelo fim de uma sociedade nojenta e imoral ; um Jake La Motta que pensa que tudo se resolve na base da força; um Hugo Cabret e sua busca pela magia ; ou até mesmo Jesus Cristo, perdido na dor de ser Deus e um simples homem. São todos iguais: esbanjões, descompromissados com o futuro, intangíveis pela lei, devassos, depravados, drogados; não vemos qualquer personagem que seja um ponto fora dessa curva de luxúria.


   As atuações, como dito acima, ficam presas a esses limites impostos pelo roteiro. Mas mesmo assim não deixam de ser espetaculares. Leonardo DiCaprio confirma sua excelente fase que já deve ter uns 10 anos e atinge o ponto ideal no overacting. Exagerado, explosivo, louco, viciado, usa e abusa das expressões corporais para atingir, mais uma vez, uma atuação primorosa. É a alma do filme, desvairada como ele pede, imprevisível segundo as suas vicissitudes, insano dentro da temática trabalhada. Atinge uma veia cômica nunca antes vista em suas hipérboles e quebra a quarta parede com uma tijolada certeira e um ar de cinismo e pura altivez boçal. É desumano em nome do ter, deplorável na sua febre do ouro e perdido em uma vida sem qualquer valor onde tudo é mercantilizado. Um papel, como dito antes, limitado e ao mesmo tempo muito delicado em seus momentos de quebra da normalidade, uma vez que um passo em falso poderia significar o fim do que há de bom no filme. Jonnah Hill volta as origens de Superbad e da comédia pastelão para fazer o primeiro companheiro de Belfort na sua vida de loucuras, protagonizando cenas clássicas de comédia hollywodianas e arrancando gargalhadas sinceras de seu público. Os outros coadjuvantes, alguns de luxo, como Matthew McConaughey e Jean Dujardin, tem participações curtas porém marcantes e que, dentro da lógica interna do filme, funcionam muito bem.

  Tecnicamente é que o filme atinge o sublime. Scorcese usa e abusa da narrativa, interage com o público. Tudo pautado por uma excelente edição, que dá um ritmo na medida certa para uma experiência, no mínimo, divertida. A fotografia também é de alto nível, sendo o elemento técnico que transmite melhor a intensa história que é contada. Os planos ora são abertos para que nos sintamos no hospício que é a agência de Belfort, ora é fechada para que possamos ver cada momento de autodestruição dos personagens, ora fixa para apreciarmos os bons diálogos ou o intrigante desenrolar da história; ora tomada por um frenesi, um verdadeiro mergulho no mundo insano dos negócios. Por vezes vemos o mundo nos olhos do personagem título, especialmente quando este começa a tomar consciência de seus exageros. A trilha sonora é aquilo que podemos esperar de um filme do diretor: anárquica, pesada, recheada de música pop e rock clássico.

 

  Nesse retorno às origens, o mais brilhante dos diretores americanos acerta em muitos pontos, mas erra em outros que normalmente são onde desenvolve o seu melhor. O filme, apesar de bastante envolvente, é muito longo para o pouco conteúdo que apresenta. Seus personagens antes intrigantes se tornam poços de puro nada. Repito, talvez seja esse o seu objetivo. Inclusive, ele abre para uma reflexão nesses tempos de Reis do Camarote: será que o dinheiro traz realmente a felicidade ou ele torna nossas vidas cada vez mais vazias? E nos lembra de que tudo tem um preço, que nem sempre pode ser pago com dinheiro.

NOTA: 9

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