Com uma estrutura que lembra Fellini, Paolo Sorrentino desenvolve uma bela e poderosa obra sobre as hipocrisias da alta sociedade italiana e sobre o reencontro com o eu
Nome Original- La Grande Bellezza
Diretor- Paolo Sorrentino
Roteiro- Original, escrito por Paolo Sorrentino e Umberto Contarello
Elenco- Toni Servillo, Carlo Verdone, Sabrina Ferrili e Carlo Burcciorosso
Parte Técnica- Luca Bigazzi (F), Cristiano Travaglioli (E) e Lele Marchetelli (TS)
Data de Lançamento: 21 de abril de 2013 (Festival de Cannes)
A vida tem maneiras misteriosas de subverter o que imaginamos. Ora planejamos um mundo de possibilidades e nada ocorre. Ora nada fazemos e ficamos completamente extasiados pelas surpresas que ela pode nos reservar. Por vezes mantemos a retidão de acordo com os valores que consideramos importantes. Muitas vezes perdemos nossa identidade em busca de algo mais. Algo mais esse que pode ser puro nada. Essas são questões levantadas pelo personagem Jep Gambardella no filme A Grande Beleza, e esse é o seu fundamento critico.
A trama se inicia no aniversário de 65 anos de Jep, um escritor de um livro só que passou 40 anos de sua vida na mais pura boêmia cercado pelos mais variados tipos intelectuais da alta sociedade de Roma. Muito mais que isso, desde sua tenra juventude o protagonista buscou ser seu rei, seu grande baluarte. E para isso perdeu aquilo que tinha de mais precioso: sua sensibilidade, grande marca pessoal na juventude. Chocado com a velhice que o assombra e com o fato de ser um ser incompleto apesar do status que tem, busca levar sua vida de acordo com as vicissitudes de sua vontade. Junto com essa decisão, a narrativa toma um corpo crítico.
Inicia-se, assim, um desfile de personagens singulares, cada qual coberto por uma máscara de hipocrisias para que, ante a "sociedade", sejam seres humanos perfeitos. Surge aqui um ricasso que diz que tem o casamento perfeito enquanto é conhecido pelas prostitutas pelo nome; a intelectual esquerdista que se considera como um modelo para os demais quando, na realidade, tem muitas falhas; a viúva rica que vende seu filho com sérios distúrbios mentais como uma pessoa sã... assim como muitos outros que ora tem suas falhas apontadas por uma câmera em terceira pessoa, ora tem seus vícios apontados por Jep. Este, quanto mais busca a sua essência, fica menos hipócrita consigo mesmo e mais sincero com aqueles que o rodeiam, gerando situação desconfortáveis, mas que em tela tem um fino humor. Chega, em um ponto da narrativa, a a dissertar sobre a hipocrisia demandada por seu circulo social quando define o comportamento ideal em um velório, em uma cena digna de aplausos.
A busca por si mesmo também é temática central do filme. Jep descobre que seus bloqueios criativos derivam do papel que assumiu frente aos outros durante quarenta anos a troco de um simples nada, de um vazio existencial. Entra aí a arte como um personagem desse filme: esta é uma expressão da verdade, não do individuo para com os outros, mas sim dele com ele mesmo. Em uma dada cena, vemos uma garota pintora, que, a contragosto, faz uma nova obra frente aos apreciadores de arte. A fúria e a melancolia da infância que lhe é roubada em nome do dinheiro geram uma obra de arte sem precedentes. Em outra cena o protagonista visita uma exposição de um fotógrafo que, seguindo os passos do pai tira uma foto sua a cada dia e se sente realizado com isso. Estes e outros exemplos fazem com o protagonista busque o belo na simplicidade, na crueza dos sentimentos verdadeiros. E sim, isso é uma bela mensagem.
Tecnicamente a obra é irretocável. Uma fotografia de mestre ora coloca o espectador como um terceiro onisciente, mostrando-lhe a verdade por detrás das máscaras e véus que envolvem muito dos personagens, criando imagens ora aterradoras, ora cheia de simbolismos que dão todo o sentido a trama. Por vezes, a câmera faz o papel dos olhos de Jep, demonstrando sua clínica visão de mundo. A edição entra para, com grande mestria, combinar essas diferentes lógicas visuais e criar um resultado final de tirar o fôlego. A trilha sonora varia de uma predominância de cantos gregorianos à música mais popular, também criando o clima para essa grande obra.
No que tange às atuações, cada personagem desse grande teatro de marionetes é interpretado por um ator que dá a conta do recado, demonstrando que o elenco foi escolhido com esmero. Destaque para a jovem Agata Malysko, que interpreta a jovem pintora e, mesmo com pouco tempo em tela, transmite diferentes sensações e emoção em uma das melhores cenas do filme. Os louros nesse quesito ficam todos com Toni Servillo, que dá toda graça ao protagonista. Contemplação, melancolia, alegria são muitas das sensações que desenvolve na construção do personagem, sempre com boas doses de humor e carisma. Sua genial interpretação faz com que Jep Gambardella entre no rol de grandes personagens do cinema contemporâneo, denso e ao mesmo tempo, leve; perdido entre a identidade e a hipocrisia, cansado dessa ultima, em busca da liberdade de se redescobrir como ser humano.
Paolo Sorrentino, com filmografia marcada por insucessos de público e crítica faz um excelente trabalho por aqui, lembrando muito a maior referência e figura do cinema italiano: Federico Fellini. Usando de personagens caricatos e de um tom quase surrealista, com jogos de luz e sombra e posicionamento de câmera; percebemos que conseguiu reunir em as melhores influências do trabalho desse rei do cinema mundial. Embora exagere na sua fauna de personagens-metáfora, por vezes esquecendo que, bem ou mal, estamos acompanhando a história de Jep; ou exagerando nos simbolismos (o que, inclusive, ajuda a tornar o filme desnecessariamente longo em seu ultimo ato), fez um excelente trabalho, digno de um mestre do cinema. A critica que destila na obra é valida e toca num ponto importante: em um mundo em que imagem é tudo, como ser feliz consigo mesmo? E, graças aos deuses, o filme não nos responde isso, apenas abre espaço para o debate.
NOTA: 9
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