quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

12 Anos de Escravidão (2013)- Lições pedagógicas sobre a escravidão

  Um dos grandes favoritos ao Oscar de Melhor Filme, a nova obra do diretor Steve McQueen até consegue envolver seu público. Mas, a história com grande potencial se perde na simplicidade, desperdiça bons atores e nos entrega um retrato detalhado, como um livro didático, sem, no entanto, debatê-lo nas telas. 



Nome Original- 12 Years a Slave

Diretor- Steve McQueen

 Roteiro- Adaptado por John Ridley,baseado em livro homônimo escrito por Salomon Northup

Elenco- Chewitel Ejiofor; Lupita N'yongo, Michael Fassbender, Benedict Cumberbatch, Paul Dano, Paul Giamatti e Brad Pitt


Parte Técnica- Sean Bobbitt (F); Joe Walker (E) e Hans Zimmer (TS)


 Data de Lançamento: 30 de Agosto de 2013, no Festival de Telluride


  


Liberdade. Vários foram os filósofos que a definiram. Uns a ligavam com a busca dos verdadeiros sentimentos. Outros a diziam ser a mais pura manifestação do eu, a verdade. Os estudiosos da política diziam que é a ausência de dominação. Os juristas, o fazer o que quiser nos limites da lei. Willian Wallace, do moderno épico Coração Valente, personificado por Mel Gibson, disse: "Fujam e viverão. Morram deitados em suas camas, daqui há alguns anos. Não valeria mesmo a pena, trocar todos esses dias a partir de hoje,por uma chance, só uma chance, de vir aqui e de dizer aos nossos inimigos, que eles podem tirar nossas vidas,  mas jamais irão tirar, a nossa liberdade!", frase poderosa que coloca a liberdade como o bem maior, acima da vida, e pela qual se vale a pena lutar. É um conceito indefinido, que se molda de acordo com o arcabouço moral e ideológico de quem o procura definir. E não deixa de ser belo por isso.




  12 Anos de Escravidão tem como plano de fundo o fim da liberdade. Sua trama é a história de Salomon Northup (Chewitel Ejiofor), negro e livre nos EUA pré Guerra Civil, que, após uma fraude, é sequestrado por traficantes de escravos e forçado a viver como escravo nos latifúndios de algodão do sul do pais. Uma bela premissa, que poderia nos levar aos limites da luta pela liberdade e aos debates sobre os horrores da escravidão, uma vez vista por um homem livre forçado a perder seu bem mais precioso. No entanto infelizmente isso não acontece. Apesar do envolvimento do espectador para com o protagonista, a história não passa de um relato extremamente didático e coberto de verniz sobre a escravidão americana. Acompanhamos o dia a dia de Salomon, agora chamado Platt, nas fazendas: seu primeiro mestre com traços mais humanos; o segundo, um verdadeiro déspota; suas relações com outros escravos, senhores, capatazes, seu trabalho nas lavouras de algodão... e só. 

O personagem principal parece tomado por uma apatia terrível, que o deixa completamente engessado. Poucas são as cenas onde ele parece demonstrar que quer lutar contra o status em que se encontra, poucas são as tentativas de fuga ou de um contato com qualquer pessoa que poderia comprovar da onde veio. Lembra muito o célebre personagem Jó, da Bíblia, que via o mal e as desgraças acontecendo consigo e confiava que somente Deus poderia tirar seu sofrimento; só que em nenhum momento vemos tal justificativa religiosa para esse comportamento mortificado.Os castigos físicos, o fato mais revoltante do trabalho escravo, são distantes, aparecendo em uma cena logo no início da película e outro no final. Os debates sobre os abusos da escravidão e claro, os debates e questionamentos que poderiam surgir do confronto entre a liberdade anterior e a prisão aos grilhões (na melhor alegoria Rousseauniana possível), simplesmente não existem, ou melhor, ficam reduzidos a uma única cena. Parece que estamos lendo um manual didático sobre a escravidão, só que para crianças, omitindo partes mais viscerais, embora não escondendo sua existência e sem nenhum elemento que possa fomentar; simplesmente nos elucida sobre a vida de um escravo.



  No entanto, estamos envolvidos pela melancolia e sofrimento de Salomon. E isso se deve a excelente atuação de Chewitel Ejiofor. Com grande sensibilidade e expressividade acima da média, o ator, experiente por trabalhos em filmes independentes no Reino Unido, consegue dissecar todas as desesperadoras sensações do protagonista; e sua atuação acaba sendo o que tem de melhor na película. Já o resto do elenco, de primeira linha de Hollywood, acaba sendo desperdiçado em papéis pouco marcantes ou simples demais, que não demandam nada de suas capacidades artísticas de primeira grandeza. São exemplos: Benedict Cumberbatch, Paul Giamatti, Brad Pitt e Quvenzhané Wallis. As únicas exceções as atuações de Paul Dano,em um papel inédito, completamente cruel como um capataz, lembrando o Kevin Spacey dos anos 90; e Michael Fassbender, que mostra porque conquistou espaço na industria cinematográfica americana, como o segundo mestre de Salomon, um bêbado depravado com tendências a psicopatia, um homem com mentalidade atrasada até para o seu tempo, considerando escravos não seres humanos, mas mercadoria. Lupita N'yongo, que tem sido cotada para o Oscar de Melhor Atriz coadjuvante, é igualmente esquecível, com apenas uma cena de boa atuação, mas nada de espetacular. 

  Tecnicamente o filme tem grandes acertos, como um filme de época demanda. A fotografia varia de algo mais abrangente, para mostrar o número de escravos na lavoura os suas condições sub-humanas, para algo mais intimista, um olhar de Solomon para sua nova realidade e uma forma de torná-lo muito próximo de seu espectador. A trilha sonora de Hans Zimmer um acerto, com acordes que lembram seus melhores trabalhos nos anos 90, cria até alguns momentos de possível tensão dentro da narrativa. A direção de arte, como não podia deixar de ser, é invejável. O grande problema está na união entre maquiagem e edição, que nos deixa confusos quanto a passagem de tempo: em nenhum momento o espectador tem a sensação que se passaram 12 anos, parece mais que foram uns dois ou três anos, a bem da verdade. Os saltos temporais parecem muito curtos, e o trabalho de maquiagem para envelhecer os atores, inexistente. Mas esses dois tem lá suas vantagens: o ritmo do filme é bem fluido e o trabalho para fazer as cicatrizes de maus tratos, verossímil



 Steve McQueen;  apenas buscou o simples sem perder o correto tanto na trama quanto na técnica. Mas perdeu em ousadia. Se em seu filme anterior por se utilizar das nuances e dos subentendidos atingiu o sublime e até mesmo, o polêmico; nesse se perde totalmente, com uma irritante didática sobre a escravidão, detalhista demais, mostra demais e não apresenta conteúdo algum. Talvez para um público americano tenha quebrado tabus, afinal, esse passado de violência e selvageria é negligenciado pela historiografia oficial. Aqui no Brasil nascemos sabendo dos malefícios e terrores da escravidão, somos doutrinados não só nas escolas mas pela cultura de massa: a literatura desde os tempos em que essa prática era recorrente populariza a ideia de barbárie; a televisão mostrou com imagens fortes seus resultados terríveis; o cinema sempre desenvolveu o tema com maestria e senso de humanidade. Por isso ficamos com sensação que saímos de um filme pobre, acrítico e extremamente superficial; anto nossos amigos da América do Norte o consideram como um marco. Porém, independente desse debate geográfico e cultural, é uma obra bem aquém da grandiosidade que lhe tem sido atribuída, esquecível; mas com uma função social até que importante: é ótima para ser passada em colégios, despertar seu interesse sobre um tema que não pode ser esquecido, uma piscina rasa para se aprender a nadar e, posteriormente, quem sabe, mergulhar em águas profundas. 

NOTA: 7

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