domingo, 16 de fevereiro de 2014

Nebraska (2013) - Prisioneiros do Passado

  Alexander Payne faz um exercício de lógica visual preto e branco para tratar do passado e do homem que é seu prisioneiro; assim como romper as grades dessa prisão com muito bom humor. 



Nome Original- Nebraska


Diretor- Alexander Payne 


 Roteiro- Original, por Spike Jonze


Elenco- Bruce Dern, Will Forte e June Squibb

Parte Técnica-  Phedon Papamichael (F); Kevin Tent (E); Mark Oton (TS)

 Data de Lançamento: 23 de Maio de 2013, no Festival de Cannes







Somos o que vivemos algum dia, isso é inegável. É pelas experiências que aprendemos a melhorar no futuro, nos reinventar. E não existe melhor professor que aquilo que vivenciamos. O problema é quando não conseguimos aprender com as falhas do passado e vivemos presos a elas, remoendo o que poderia ser no lugar de buscar o melhor e novo no presente.  A vida na prisão ao passado é sem cor, sem motivação, é algo sem graça e sem busca pelo diferente ou pelo melhor. E é com lentes em preto e branco que Alexander Payne trata desse tema em Nebraska.



 Woody Grant (Bruce Dern), um velho alcoolátra, recebe uma carta dizendo que ganhou 1 milhão de dólares, e que deveria pegar seu prêmio em Lincoln, Nebraska. No entanto, ninguém acredita que o prêmio seja real e o mesmo tenta partir sozinho em busca do mesmo, até que seu filho (Will Forte) decide ajudá-lo. Imprevistos ao longo da viagem fazem com que eles parem na pequena cidadade natal de Woody, onde vários detalhes do seu passado que explicam muito o comportamento e personalidade do mesmo. Esse reencontro com o que passou em um lugar onde tudo parece igual vai mostrar que, infelizmente, o protagonista dessa história não superou tudo que passou, mas vê no prêmio uma forma de mudar sua vida definitivamente.

O filme não é só sobre a inocência de um homem que, com o tempo, descobrimos bondoso e inocente, mas sobre como superar um passado traumático. Woody sempre foi uma pessoa calada e de bom coração, disposto a ajudar aqueles que precisam; no entanto, nunca recebeu o reconhecimento de seus pares por isso. Portanto, tornou-se uma pessoa triste, e buscou no álcool a fuga para sua realidade. Via no prêmio mais que uma chance de mudar, ele vê na salvadora carta premiada uma recompensa da vida por tudo o que fez e uma chance de ajudar ainda mais aqueles que o cercam. É um novo escapismo, só que agora na fantasia, e que ao mesmo tempo cria esperanças em, finalmente, um futuro. O problema é que o mundo não pensa da mesma maneira que ele: é um derrotado, não merece o que vai receber, ou até merece, desde que eu receba também uma parte disso. Seu filho percebe logo esse quadro e tenta ajudá-lo a romper com essa história que o atormenta; nem que para isso tenha que subverter a realidade.



A lógica visual do filme, com sua fotografia em preto e branco nos remete a essa prisão no que passou. Não só isso, como mostrar que o mundo onde se passa a ação, a cidade natal do protagonista, também parou no tempo, não evoluiu apesar do envelhecimento de seus personagens, dedicados remoer o passado sempre que. É uma aplicação inteligente da técnica em prol da narrativa e da temática, e é o grande acerto do filme. Aliado a isso temos uma trilha sonora country/jazz melancólica, o estado de espírito do espaço temporal em que acompanhamos o desenrolar da trama. A edição é boa, e só, nada inventivo ou fora dos padrões normais, apenas ajuda na fluidez da película.

As atuações também são outro grande acerto do filme. Bruce Dern cria, com base em excelente linguagem corporal, um Woody brilhante. Ébrio, melancólico, desligado da vida e com um desejo de ser feliz com o prêmio que ganhou, mostra porque ganhou o prêmio de melhor ator em Cannes. Já Will Forte, em uma química excelente com o primeiro, faz o filho, essencialmente preocupado com o pai e o primeiro a se levantar contra todos os fantasmas do passado do mesmo, questionador e extremamente amoroso. June Squibb faz a esposa de Woody, uma mulher desbocada e presa igualmente ao passado, porém com capacidade de analisá-lo de maneira crítica e cética, servindo como ótimo contraponto e, ao mesmo tempo, um excelente alívio cômico. Outras atuações pontuais como os familiares e habitantes da pequena cidade são igualmente boas, e passam bem o clima do filme.

Alexander Payne volta ao drama familiar e se mostra mais afiado do que nunca. Com uma reflexão sobre se prender ao passado e à necessidade de ser feliz pelas opiniões alheias, une, mais uma vez, a comédia inteligente tirada de situações quotidianas e o drama sem exageros das situações familiares. Com um apuro técnico invejável para os padrões hollywoodianos, mostra que não se precisa de muito para fazer bonito, que menos pode sim, ser mais; e que não existe nada melhor que uma boa história. Uma grande surpresa na corrida pelo Oscar e um must see para todos aqueles que curtem filmes descompromissados e, mesmo assim, abertos para a reflexão.

NOTA: 8

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