domingo, 10 de abril de 2011

O Discurso do Rei (2010) - Quando Monstros se Encontram

Muitos consideraram o filme de Tom Hooper clichê e antiquado, como o cinema britânico em sua totalidade. Mas a nova forma de contar uma narrativa batida, baseada em atuações espetaculares, direção técnica e artística esmerada e um novo objetivo tornam esse filme grandioso e merecedor de todas as glórias que recebeu, assim como um ótimo contra argumento à todas as críticas. 

Nome Original- The King's Speech

Diretor- Tom Hooper

Roteiro- Original; de Daivid Seidler

Elenco- Colin Firth, Helena Boham Carter, Geoffrey Rush, Guy Pierce, Michael Gambon e Thimothy Spall

Parte Técnica- Danny Cohen (F); Tariq Anwar (E) e Alexandre Desplat (TS)

Data de Lançamento - 6 de setembro de 2010 (Festival de Telluride, EUA)



   Filmes britânicos são normalmente pontos certos com a crítica e com a Academia, rendendo várias estatuetas no maior prêmio da indústria cinematográfica. Marcado por um esteticismo caprichadíssimo, tais obras normalmente não tem apelo para com o público, sendo admirados por faixas seletas e que buscam boas e simples histórias ou simplesmente compreender melhor um período histórico retratado. Aí entra a grande revolução de O Discurso do Rei.
O elenco principal de O Discurso do Rei: enredo simples e envolvente
   A história é bem simples: Albert (Firth), o Duque de Windsor e segundo na sucessão do trono britânico, sofre de uma gagueira crônica que o atrapalha, inclusive, nas suas relações familiares. Depois de vários tratamentos frustrados com os melhores médicos do império e uma quase desistência de busca de cura, sua esposa, Elizabeth (Boham Carter) decide procurar um fonaudiólogo chamado Lionel Logue (Rush) conhecido por seu sucesso e ,igualmente, seus métodos heterodoxos; convencendo o futuro Rei George VI a se consultar com ele. Logo, vemos o desenrolar de uma típica amizade inesperada, marcada por deliciosos diálogos gerados a partir da total quebra de protocolo imposta por Logue a seu ilustre cliente, e, claro, atritos. Igualmente tomamos conhecimento das possíveis origens da gagueira de Albert: uma família fria e protocolar (como a belíssima cena da morte do Rei George V nos mostra); um pai (Gambon) muito rígido, que acreditava que a gagueira poderia ser facilmente vencida por esforço pessoal; e um irmão, o Rei Edward VIII (Pearce), que buscava constante humilhá-lo por tal fato, o que aumentava ainda mais sua insegurança. 
   Foi esse mesmo irmão que abdicou o trono em prol de um casamento com uma mulher divorciada (o que é inconstitucicional pelas leis do país) e jogou uma batata quentíssima no colo de Albert: como um gago pode unir um império, superar a imagem de um antecessor vivo e construir uma imagem carismática que possa ajudar a combater a de um adversário desenvolto e teatral como Hitler às vésperas de um conflito armado certo? Enfim, como um gago inseguro pode se tornar um verdadeiro líder? Mais do que nunca, o rei precisaria não só dos conhecimentos terapêuticos, mas da amizade de Logue. A história de desenrrola a partir daí para um final previsível (um grande discurso que uniu o Império Britânico), mas que não impede uma certa ponta de apreensão.
Rush e Firth em cena: atuações são o ponto forte do filme
Como a sinopse pode mostrar, o roteiro é um típico conto de superação, como tantos outros no cinema. O que o torna inovador é colocar aí a imagem de um líder histórico e, diferentemente dos demais filmes que tocam nessas figuras, não o enaltece e o transforma em um grande heroí; e não o desconstroi mostrando todos os seus podres e falhas, tenta um meio-termo: desconstroí o líder, mas o torna uma figura humana, aproxima-o de nós, meros mortais, mostra que qualquer um por mais poderoso que seja, tem um ponto fraco e, muitas vezes, tem grandes amigos que o ajudam a superar isso. Outra grande vantagem do filme é que ele passeia pelo drama sem cair em um caminho melodramático: é emocionante sem exageros, em pequenas cenas simples e delicadamente construídas, é leve e por vezes, cômico ( não dá para segurar o riso diante  das disputas de ego entre o Rei e seu terapeuta), não caindo também em mesmices do gênero; sendo, de maneira geral divertido e delicioso de se assistir. É também um filme sobre a comunicação (ou a falta dela) do homem, a necessidade de seu desenvolvimento e a dificuldade que muitos tem de desenvolvê-la com perfeição, um elemento desenvolvido da maneira mais lirica possível. Um texto nada vazio e que merece aplausos.
Geoffrey Rush é o grande maestro do filme
   Outro grande ponto positivo é a liberdade que ele dá aos atores. E que atuações. O elenco de apoio é fantástico, por menor que seja a importância do personagem, tem grande poder dramático. Os destaques do mesmo são Helena Boham Carter (Alice no País das Maravilhas) que deixa de lado os personagens excêntricos de sua carreira e mostra toda sua capacidade dramática ao interpretar uma discreta mas marcante Rainha Elizabeth (ou Rainha Mãe); Michael Gambon (o Dumbledore de Harry Potter) e Guy Pierce (Amnésia) cumprem seus papéis com louvor, mostrando bem como seus comportamentos foram importantes para moldar as inseguranças de Albert.
Colin Firth: maturidade dramática que passa longe do melodrama
  Por falar em Albert, não existem palavras para descrever as atuações de Colin Firth (Direito de Amar) e Geoffrey Rush (o Barbossa de Piratas do Caribe). Os dois realmente dão aula em atuações perfeitas e poderosas, uma das melhores da história. O primeiro conquista, na primeira cena do filme, a total empatia do público: a sua interpretação da gagueira está longe de ser exagerada, é totalmente verossímel, e sua insegurança é tocante, mostra bem a humanidade em todos os sentidos do personagem. Poderosa e bela, Firth mostrou toda a sua maturidade artística no papel, mostrou porque mereceu todos os prêmios que recebeu e porque merece ser considerado, quem sabe, o maior ator dos últimos 20 anos (britânico pelo menos). O segundo mostrou um personagem mais leve e igualmente cativante: fino e sarcástico, Logue é a alma do filme, potencializa os deliciosos diálogos entre ele e o rei e desenvolve um interessante contraponto à austeridade da monarquia britânica. Uma atuação monstruosa do brilhante Rush (laureado com o Oscar de Melhor Ator por Shine em 1996) , desenvolta, visceral e arrebatora. Ele caminha do humor finíssimo britânico para o drama; conduz o filme como um maestro místico que conquista o público a cada palavra proferida. Um casamento perfeito de dois monstros da atuação. O melhor do filme é ver essa dupla em cena e curtir cada momento em que eles exalam a magnificência de suas atuações.
   A parte técnica é igualmente perfeita. Uma fotografia baseada em tons sombrios e pálidos, que mostra o ambiente frio e ao mesmo tempo selvagem que o rei deve enfrentar. A montagem é brilhante e a reconstituição histórica é perfeita: cenários belíssimos, figurino perfeito, uma produção artística de encher os olhos. Alexandre Desplat desenvolve uma trilha sonora, digamos, paradoxal, discreta e marcante no início para um produto grandioso e poderoso de acordo com o desenrolar do filme, com cada barreira vencida pelo Rei George. Enfim, uma trilha sonora que dá dinâmica a um filme já dinâmico.
A fotgrafia não é só belíssima, mas um importante elemento narrativo
    Coube ao extreante Tom Hooper (um filme apenas levado à grande tela e alguns trabalhos na televisão antes do Discurso) juntar todos esses elementos minuciosamente detalhados em um filme redondo, sem arestas ou fios soltos que pudessem ser passíveis de crítica: um filme perfeito. Essa união é conservadora, porém, atemporal: seria grandiosa em qualquer momento do cinema. Não é uma perfeição arrebatadora como seu rival no Oscar Cisne Negro, mas uma perfeição simples (não simplória) como seu objetivo e o que ele provoca no público. Talvez seja o melhor filme já feito sobre a monarquia britânica: não busca sua glória e opulência, como Elizabeth (1998); ou intrigas que mudem a visão do público sobre suas relações mais secretas como o (péssimo) A Rainha (2006); mostra o lado mais humano de tais personagens, algo próximo de nossa realidade; e, com esse objetivo bem simples mas, ao mesmo tempo, revolucionário, toca o que há de mais humano em nossos corações e mentes.

QUESITOS:
Atuações: 10
Roteiro: 10
Técnica(fotografia e edição): 10
Trilha Sonora: 10
Direção de Arte (cenários, figurinos, maquiagem,etc...): 10
Direção: 10

NOTA FINAL- 10


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