segunda-feira, 12 de maio de 2014

O Espetacular Homem-Aranha 2:A Ameaça de Electro (2014) - Fundo do Poço

Após um questionável primeiro filme, o amigo da vizinhança retorna. No entanto, o resultado não poderia ser pior e a pergunta persiste: qual a necessidade desse reboot?


Nome Original- The Amazing Spider Man 2: Rise of Electro


Diretor- Marc Webb

Roteiro- Adaptado da HQ homônima criada por Stan Lee e Steven Ditko por Roberto Orci, Jeff Pinkner e Alez Kurtzman

Elenco- Andrew Garfield, Emma Stone, Sally Field, Jamie Foxx e Dane deHan
Parte Técnica- Daniel Mindell (F); Pietro Scallia e Elliott Graham(E) Hans Zimmer (TS)


Data de Lançamento: 4 de maio de
 2014, nos EUA

 


A trilogia do Homem-Aranha de Sam Raimi começou muito bem em 2002, com um filme de origem dinâmico, bem feito e bem humano na medida do possível, alçando Tobey Maguire ao status de super-estrela de Hollywood, Kristen Dunst ao de musa e apresentando ao mundo o talento de James Franco, até então um ator desconhecido. O Duende Verde tornou-se um icônico vilão, assim como o beijo entre o herói e sua amada Mary Jane se tornou referência nos anais cinematográficos. Após bater records de bilheteria foi anunciado um segundo filme, lançado 2 anos depois. Embora a recepção por parte público tenha sido mais morna não se pode negar que o filme foi um grande sucesso. A história, mais voltada para os relacionamentos entre os personagens e a dificuldade de uma vida dupla rendeu aplausos da crítica especializada e garantiu um terceiro filme. E aí vieram os problemas: Peter Parker foi desvirtuado, três vilões foi um exagero, a história cheia de furos e, por fim, uma utilização péssima de Venom, arqui-inimigo do aracnídeo; renderam uma rejeição por parte dos especialistas e principlamente, com a popularização da internet, uma aberta reação popular de indignação com o fim de uma boa franquia em nome da ação desenfreada e de tramas e sub-tramas pobres. Mesmo assim, o retorno financeiro foi invejável e logo os produtores dos estúdios Columbia/Sony perceberam que uma continuação era inevitável. O que poderiam eles fazer? A fórmula estava desgastada; o elenco sem crédito algum; o antigo diretor, ridicularizado.

  Surgiu então o reboot, um restart geral na franquia: um novo filme de início com um novo vilão e um novo plano de fundo. O resultado: um filme com trama idêntica ao do primeiro só que bastante piorado em uma série de seus elementos: um vilão dúbio porém sem apelo, um herói depressivo e extremamente insosso, uma contraparte romântica chata, personagens secundários como o grande Tio Ben mal interpretados, e o único ponto de grande diferença, a trama envolvendo os pais de Peter Parker, totalmente desnecessária. Apesar dessa série de problemas o filme foi bem no box office. Uma continuação, obviamente, começou a ser filmada. Shailene Woodley foi escolhida como nova Mary Jane. Jamie Foxx, gabaritado com o Oscar, para ser o vilão. O que poderia dar errado? Bem, tudo.

  Assim como seu antecessor, A Ameaça de Electro repete os principais arcos dramáticos do segundo filme da trilogia de Raimi: um herói que não consegue levar seus relacionamentos à frente e se adaptar a vida dupla, tendo que optar por uma delas. As motivações de Peter Parker e os motivos de conflito com Gwen Stacy são os mesmos daquele interpretado por Tobey Maguire  e Kristen Dunst sem tirar nem por. E, assim como sua contraparte de exatos dez anos atrás, isso garante um ritmo muito lento ao filme, reforçado por toda a personalidade conflituosa e depressiva do protagonista interpretado agora por Andrew Garfield. No entanto, esse não é o único problema da película: os desnecessários 140 minutos, as motivações do vilão Electro lembram os filmes do Batman de Joel Schumacher, uma ridícula obsessão por ser querido e pela figura do herói; a motivação de Norman Osborne, uma repetição daquelas do Lagarto no filme anterior; Mary Jane, personagem necessário para a trama se olharmos o cânone do personagem em outras mídias, cortado sumariamente da versão final; a insistência ridicula na trama dos pais de Peter; o romance extremamente açucarado, os personagens secundários apagados; sequências de ação mal executadas com exagerado uso de slow motion e que mais parecem cutscenes de videogame, enfim... um resultado péssimo para uma franquia que já tinha atingido o fundo do poço.


A técnica do filme também deixa a desejar: a edição, especialmente das cenas de ação é mal feita, os efeitos por muitas vezes parecem ultrapassados e a fotografia deixa muito a desejar, com elipses exageradas. A trilha sonora assinada por Hans Zimmer tem lá seus momentos de acerto, mas na maior parte do tempo é uma verdadeira aberração. Andrew Garfield enquanto Peter Parker continua extremamente exagerado, depressivo. Mas basta vestir o uniforme vermelho e azul e os ares mudam para o de um verdadeiro herói: engraçado, divertido, seguro; mostrando que o ator, antes taxado de equivocado na verdade está penando nas mãos de um roteiro de péssimo gosto, acertando na triste construção de personagem que lhe foi concedida. Emma Stone, essa sim, um equívococo: melodramática, chata em cena, uma personagem esquecível. Jamie Foxx e Dane deHann os vilões, são verdadeiras caricaturas: exagerados, cômicos e sem nenhuma credibilidade. Sally Field é prejudicada pelo roteiro pobre. O único destaque nesse ponto é Paul Giammati, extremamente cômico. Pena que sua participação é apenas uma ponta.


Marc Webb mais uma vez mostrou-se um péssimo diretor para filmes de super-herói. A ação e aventura são preteridas em nome de cenas extremamente melodramáticas e monótonas; e quando elas existem no  são terrivelmente executadas. Cada minuto desse novo filme do aracnídeo gera no público um sentimento de saudosismo quanto aos filmes de Sam Raimi. Mesmo aqueles que como o humilde ser que vos escreve pensam que a referida trilogia "não era nada demais" começam a considerá-la o supra-sumo dos filmes de herói. Desde sua aurora esta nova fase na franquia pode ser considerada um terrível retrocesso no gênero: não muda muito dos filmes que lhe deram origem há 10 anos e consegue ser pior, pincelando aqui e ali elementos dos filmes dos anos 80 e 90 que nunca poderiam reaparecer em nenhuma obra moderna, devido aos conceitos lançados tanto pela Warner quanto pela Marvel independente nesses últimos anos. As perguntas de 1 milhão de dólares persistem: qual a necessidade dessa nova saga do Homem Aranha? Por que esse Reboot é a cara da trilogia dos anos 2000? Por que Sony/Columbia insistem nessa franquia do jeito errado? Por que não deram mais uma chance para Sam Raimi se redmir se o resultado está sendo desastroso? Isso nem Stan Lee pode nos responder. Esperemos que o Amigo da Vizinhança escale o poço em que foi jogado, e logo.



NOTA: 3

domingo, 11 de maio de 2014

Divergente (2014)- Girl Power

 O mais novo representante das adaptações de YA não decepciona, nos apresentando uma personagem principal forte e uma trama intrigante e inteligente, apesar de algumas falhas ao longo da projeção. 



Nome Original- Divergent


Diretor- Neil Burger

Roteiro- Adaptado do livro homônimo de Veronica Roth por Evan Daugherty e Vanessa Taylor

Elenco-Shailene Woodley, Theo James, Kate Winslet, Ansel Egort e Zoe Kravitz

Parte Técnica- Alvin H. Küchler (F); Richard Francis-Bruce(E) Junkie XL (TS)


Data de Lançamento: 21 de Março de
 2014, nos EUA

   



O sucesso inquestionável da franquia Jogos Vorazes como best-seller e blockbuster deu novos ares ao gênero da distopia sci-fi, principalmente ao aproximá-la de uma faixa etária acostumada a cultuar obras de cunho fantástico e sobrenatural. Obviamente, editoras e estúdios não ignoraram o novo veio de ouro que surgiu e logo posicionaram seus "mineiros" para explorá-lo. Veronica Roth e sua obra Divergente deram continuidade ao tema e o Estúdio Lionsgate, o mesmo que levou Katniss Everdeen para uma nova mídia, logo anunciou sua adaptação. A trama se desenvolve em uma Chicago futurista. Encontramos Tris Prior, membro da classe da Abnegação, que, em seu teste de aptidão descobre ser uma divergente, ou seja, que não se encaixa em nenhuma classe social, mas em todas elas, tendo o poder de se autodeterminar; o que a torna extremamente perigosa. Ao mesmo tempo em que busca encontrar sua verdadeira identidade terá que conviver com uma ameaça de golpe de estado que põe em risco não só a existência de todos os divergentes, mas também a sua família.



  Três são os méritos do filme: o primeiro, nos apresentar em seus momentos iniciais a lógica do universo em que vive a protagonista: uma sociedade estruturada em castas que garantem o seu funcionamento mecânico, na forma do clássico Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley. Temos a Erudição, os cientistas e intelectuais; a Franqueza, que exerce as funções de justiça; a Audácia, que garante a segurança; a Amizade, que trabalha nos campos; e a Abnegação, que tem o dever de servir a todas as outras, desempenhando, por isso, as funções executivas de governo. Explica também o funcionamento do teste de aptidão que define cada um, assim como o conceito de divergente, e começa a apresentar os traços iniciais da trama; um didatismo mais que necessário e normalmente ignorado. O segundo mérito, por sua vez, é não só desenvolver arcos narrativos recorrentes em aventuras infanto-juvenis como rituais de iniciação, romance, jogos entre os personagens dentre outros, mas uma trama dinâmica com questionamento acerca do poder da capacidade de escolha e do inconformismo. A protagonista é um interessante contraponto para a filosofia social de Facção antes de Sangue, mostrando que a individualidade, no fundo, é o que faz a sociedade melhor e que em nome do grupo podemos fazer as mais terríveis barbaridades. O próprio sistema de facções em si é questionado, afinal, sempre um grupo tentará suplantar o outro em nome do poder. Por fim, temos a protagonista forte: Tris é proativa, corajosa e inconformada; luta para ser o que deseja e pouco se importa com a opinião alheia. Mesmo a ajuda, quando aparece, é uma resposta positiva a sua força de vontade, é um incentivo para que ela continue a trilhar o caminho que escolheu. Ela é a grande força do filme, o que gera laços com o público e impulsiona a trama como um verdadeiro dínamo, tornando-a envolvente e por vezes, explosiva. Sua jornada torna-se a nossa também ao longo da película, e sua força para superar obstáculos nossa alma.

  Porém as vantagens param por aí. Em termos técnicos, tirando, obviamente, a boa direção de arte que logra muito bem a função de compor o universo, o filme é pouco ousado: a fotografia é bem básica, a edição ousa em momentos pontuais para retratar os diversos testes mentais aos quais a protagonista é submetida, a trilha sonora é pouco marcante e, em alguns pontos da produção é preterida por uma canção pop do momento, fazendo da cena um verdadeiro videoclipe. No que tange as atuações, Shailene Woodley encarna Tris com grande competência apesar de exageros dramáticos em algumas cenas; enquanto a excelente Kate Winslet faz uma vilã de respeito, gananciosa e obstinada. De resto, no entanto, temos um desfile de atuações pobres e com pouco brilho, destacando-se negativamente o inexpressivo Theo James, o interesse romântico da protagonista.


  Destacam-se, no entanto, as boas opções narrativas do diretor Neil Burguer, ao unir, de maneira orgânica e dinâmica aspectos clássicos do gênero e tons de crítica social que engrandecem a obra como um todo. Depois de um ano em que ficou evidente a crise das adaptações infanto-juvenis com os gritantes insucessos de Cidade dos Ossos, Dezesseis Luas e Ender's Game; Divergente dá uma sobrevida de qualidade ao gênero, sustentado apenas pelo já citado Jogos Vorazes, que já tem seus dias contados (seu final está previsto para ser lançado em novembro do ano que vem) Além disso, reforça a tendência da cultura pop contemporânea de valorizar as personagens femininas. Tanto no cinema como na televisão vemos um desfile de mulheres fortes que quebram com os antigos padrões a elas impostas: são inteligentes, sagazes, manipuladoras, vivas, independentes e, por vezes, saem no tapa melhor que muitos homens; e isso ocorre mesmo em gêneros cujo público alvo são os homens (como a Viúva Negra no recente Capitão América 2, ou Silvester Stallone, cada vez mais investindo em castings femininos para seu time de Mercenários podem exemplificar).Tris passa a integrar esse novo time time de grandes protagonistas, mostrando ser muito mais que um rosto bonito, mas dotada de uma personalidade ímpar e de um gênio forte. E apenas essa tendência do filme, apesar de todo seu conteúdo romântico, de afastá-la de Bella Swans e Princesas Disney (pré-Frozen), mostra que o Girl Power veio para ficar.

Nota: 8

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Capitão América 2- O Soldado Invernal (2014) - A morte da Inocência

Os estúdios Marvel entram de cabeça na "Era de Ultron", que marca a transição para os Vingadores 2 e apresenta o melhor filme solo desde o início do projeto; com uma trama adulta e intrigante,  cujo foco deixa de ser o herói e passa ser o mundo e as corporações que o cercam.  

Nome Original- Capitain America: The Winter Soldier

Diretor- Anthony e Joe Russo

Roteiro- Adaptado dos quadrinhos do Capitão América criados por Joe Simon e Jack Kirby; por Christopher Marcus e Stephan McFeely

Elenco-Chris Evans, Scarlett Johansson, Sebastian Stan, Samuel L. Jackson, Emily Van Camp e Robert Redford


Parte Técnica- Trent Opaloch (F); Jeffrey Ford (E) e Henry Jackman(TS)


Data de Lançamento: 4 de Abril de 2014, nos EUA


  



A Marvel, desde que começou ela mesma a transpor os filmes de seus heróis para o cinema representou uma ilha de inocência nas suas películas, contrariando a concorrente Warner/DC ou as produções de outros estúdios envolvendo outros de seus personagens (cujos direitos foram equivocadamente vendidos nos anos 90), que viam no realismo fantástico e em tramas intrincadas e reflexivas a unica forma de sobrevivência de um gênero desgastado pela cômico exagerado e escolhas de produção equivocadas. Mesmo com sua opção tradiconal; o fanfarrão high-tech Homem de Ferro, saído das melhores aventuras sci-fi, o cavaleiresco Thor tirado da mais pura fantasia ou mesmo o primeiro Capitão América, um verdadeiro clássico aventuresco das antigas matinês garantiram, filme a filme, um estrondoso e merecido (pela qualidade do que era apresentado) sucesso de público e crítica, viabilizando o mega-projeto dos Vingadores, não menos fantástico e pueril; o maior êxito comercial dos estúdios até hoje. Porém a formula se desgastou: o caminho tradicional começou a cair na mesma galhofa antes criticada, as continuações perderam totalmente o vigor. Era preciso mudar a fórmula.  



   A sequência do Capitão América foi escolhida para carregar a missão de marcar essa passagem de uma era de inocência e descompromisso para o realismo fantástico. Por que justamente foi escolhido o Super Soldado para realizar tal empreitada? Ora, o primeiro filme era de longe o menos fantástico, especialmente em seu primeiro ato, antes de Steve Rogers se tornar um verdadeiro baluarte da liberdade nos campos de batalha da Segunda Guerra Mundial, mostrando bem como funcionava a propaganda e a venda de bônus de guerra, com uma brilhante reconstituição histórica. E como seria feito isso? Bem em primeiro lugar, aprofundando o desenvolvimento do herói,  transformando-o em um questionador homem fora de seu tempo. Enquanto esteve congelado, o mundo que conhecia simplesmente desapareceu e com ele, os antigos conceitos de liberdade e justiça que ele defendia também mudaram. Como lutar por alguma coisa em um mundo onde a liberdade é vigiada? Como ser justo em uma sociedade onde prevenir atos criminosos é mais correto que puní-los? 

  Tais questionamentos são reforçados não pelas atitudes do herói, mas pela trama com maior foco na sua organização a SHIELD. Inspirada na verdadeira captação de cientistas alemães para trabalharam a serviço governo americano, acaba por criar a estranha sensação que, com isso, as antigas ideologias e conceitos perduraram. A HYDRA, inimiga que se acreditava destruída, uma peça de museu, está mais viva que nunca. E junto com ela um clima de insegurança e tensão perenes, somos jogados em um verdadeiro filme de espionagem no melhor estilo clássico, onde não existem mocinhos e bandidos, apenas uma zona cinzenta de pura incerteza. O próprio Soldado Invernal, vendido como nêmesis da produção, acaba se mostrando um grade joguete do verdadeiro vilão, sem rosto e extremamente perigoso. Recheado de cenas de ação bem executadas e de um apuro técnico invejável (sendo superável apenas pela primeira aventura do herói devido a sua direção de arte impecável), ainda abre espaço para a reflexão: qual será o papel do herói no mundo moderno? É ele um joguete do sistema ou um modelo de valores? E é a missão do Capitão nos responder isso ao longo da película.

  Chris Evans mostra toda a insatisfação e desconforto de um personagem que representa o que há de mais forte na moralidade. É tocante perceber as nuances da dor do protagonista em não pertencer a lugar nenhum, ser um atavismo e ao mesmo tempo necessário; ter uma vida inteira pela frente e ao mesmo tempo ter perdido tudo que tinha para viver. É a melhor atuação do universo cinemático, assim como uma imersão completa que nos consegue transmitir toda a complexidade do herói e ainda garantir nossa empatia quase automática. Scarlett Johansson transforma a Viúva Negra em muito mais que uma simples femme fatale, dando a personagem uma admirável sagacidade. Samuel L. Jackson tem a oportunidade de desenvolver todas as nuances do misterioso Nick Fury em  uma atuação irrotocável. Anthony Mackie nos mostra com seu Falcão que nem todo sidekick é um zero a esquerda e, por fim, Robert Redford nos mostra porque é um dos mestres do cinema ao interpretar um dissimulado diretor da SHIELD. O unico ponto negativo fica por conta de Sebastian Stan, o Soldado Invernal, uma verdadeira caricatura, no entanto que funciona muito bem como "alívio fantástico".
 
   Os irmãos Russo acertam em cheio e atingem a necessidade dos heróis da Marvel se reinventarem, sem no entanto, perderem boas doses de humor e fantasia, obviamente tudo em seu devido lugar com um timming perfeito. Talvez essa ruptura nem tão radical assim seja importante para a construção da chamada Era de Ultron, afinal, super-heróis são parte essencial do imaginário infantil que todos devem carregar até o fim da vida. Porém as escolhas de direção em nome de uma redução significativa do descompromisso que tendia tomar de assalto a franquia mostraram umn importante e ousado passo para novas construções temáticas e um reforço na qualidade das histórias desenvolvidas. Capitão América 2 não representa uma chegada a idade adulta de um universo cinemático, mas uma adolescência pé no chão e criativa que vê a primeira como um futuro necessário. Resta apenas que as veredas percorridas nos próximos filmes demonstrem que estamos sim diante de uma evolução e não uma regressão à Era da Inocência. 




PS: A cena pós créditos é de explodir a cabeça.

PS2: A trilha sonora de Henry Jackman é acertadíssima, uma mistura do clássico aventuresco com o eletrônico moderno (especialmente nas aparições do Soldado Invernal). E a referência a trilha de Troubleman de Marvin Gaye a cereja do bolo nos ester eggs do filme.

NOTA: 9,5

sábado, 5 de abril de 2014

Noé (2014)- Espelho da natureza humana

 
 Nome Original- Noah

Diretor- Darren Aronofosky

Roteiro- Adaptado da história bíblica de Noé presente no livro do Gênesis; por Darren Aronofsky e Ari Handel

Elenco- Russel Crowe, Jennifer Connelly, Logan Lerman, Anthony Hopkins e Emma Watson


Parte Técnica- Matthew Libatique (F); Andrew Weisblum (E) e Clint Mansell (TS)


Data de Lançamento: 10 de Março, na Alemanha e no México





Em seu retorno às telas, o mestre das obsessões realiza o antigo projeto pessoal de fazer um épico bíblico, escolhendo, para tanto, a história da Arca de Noé; inovando um gênero que já foi carro-chfe de Holywood com densidade e muita reflexão. No entanto, nem tudo são flores...

  O épico, na décadas de 50 e 60, a era de ouro de Holywood, e juntamente com o gênero musical e o western, reinou. Nesse reinado vimos grandes obras como Quo Vadis, Spartacus e Cleópatr; situadas na antiguidade histórica ou no Medievo, com seus eternos personagens maquinadores,romantizados em nome da arte. O gênero, igualmente, encontrou na Bíblia sua alma gêmea. Surge então o subgênero do épico bíblico, que tem como maior representante Ben-Hur, um dos 3 filmes recordistas de prêmios da academia com 11 estaturtas, assim como obras do cacife de Os Dez Mandamentos e O Manto Sagrado, imortalizadas. No entanto, como tudo que é bom acaba um dia. Não que isso tenha trazido ao cinema um período de trevas; pelo contrário: a realidade das ruas e noticiários ganhou espaço e, em nome de produções autorais, e o gênero foi reduzido a segundo escalão.



Porém, o gênero não morreu. Na década subsequente podemos encontrar boas obras, como o político Reds e algumas cinebiografias. Ressurgiu com força nos anos 90 e 2000 amparado pelo cinema de ação carente de boas histórias e brucutus; mas, infelizmente, as prodições de péssimo gosto e qualidade dominaram, sendo Gladiador, Coração Valente e 300 exceções ao mar de lama. Quando Darren Aronofsky, um diretor mais alinhado a uma linha alternativa e autoral, anunciou que iria filmar um épico bíblico sobre Noé o mundo do cinema se espantou; era um filme totalmente fora da curva de suas histórias de cunho psicológico. Ou será que não?

  A primeira grande mudança no mito bíblico do homem que construiu uma arca para salvar a criação divina de um dilúvio destinado a limpar os males da Terra foi o plano de fundo. O mesmo se aprofunda na mitologia bíblica, trazendo anjos caídos, desolação e destruição da natureza e, principalmente morte. Se aprofunda também na filosofia: estamos diante de um estudo sobre o Estado de Natureza Hobbesiano, em que prevalece a lei do mais forte, a precariedade da vida, a ausência de segurança e a incapacidade do homem em se auto determinar. Esse foi o primeiro grande acerto da trama. O segundo, assim como a segunda revolução, foi a presença do tema da obsessão, carro chefe do diretor. Mas onde ela apareceria? Seria o filho do meio de Noé (Logan Lerman), obcecado por uma esposa? Ou nos homens que buscavam sobreviver ao dilúvio? Não, e, infelizmente, essas duas subtramas se unem em uma nova, de vingança, extremamente previsível (apesar de suscitar excelentes reflexões sobre o papel do homem na criação): ela aparece na própria missão do personagem título.


   Noé (Russel Crowe), que sempre se considerou um homem bom por não descender da linhagem de Caim, que povoou o mundo com pecado e destruição, acaba por descobrir que o homem é naturalmente mal, apesar de seu dom para o bem. Portanto, a construção da arca, a ser preenchida com dois animais de cada espécie, seria uma forma de salvar a criação divina pura; e erradicar a impura, qual seja, o homem. Tal é a interpretação tomada pelo protagonista, que fica tomado por essa missão, nem que, para isso, tenha que passar por cima de sua família. É aí que reside a densidade do filme, é daí que sairá sua poderosa mensagem: na obsessão de Noé por cumprir o que lhe ordenou seu Pai e Criador, nem que tenha que ir as ultimas consequências e negar tudo aquilo que mais ama. No entanto, essa força narrativa apenas aparece no segundo ato do filme, ficando o primeiro ato, embora com excelentes cenas, prejudicado por uma grande lentidão e de conflitos realmente interessantes.

  Essa falta de ritmo se deve muito a edição. Embora excelente no primeiro ato ao que tange as visões do personagem título, ela é arrastada e, as vezes, chega a lembrar cenas de documentários pobres que podem ser vistos no Discovery Channel; enquanto que no segundo ato é a catalizadora de todo o dinamismo da película. Assim também são os efeitos visuais, ora obsoletos e mal acabados, ora simplesmente brilhantes e artisticamente irretocáveis. Mas, tirando isso, os outros detalhes técnicos são irretocáveis: a fotografia, ora grandiloquente para exprimir a pujança dos anseios do Criador e da importância da missão de Noé, ora escura, fechada e intimista para retratar os conflitos internos dos personagens; a direção de arte impecável que dá um aspecto fantástico a trama; e a trilha sonora de Clint Mansell, inspiradíssima, um de seus melhores trabalhos sem sombra de dúvidas.



  No que tange as atuações, temos um Russel Crowe simplesmente monstruoso em tela como Noé, que disseca todos os elementos desse conflito interno com uma maestria de poucos; criando um personagem denso, sombrio e inesquecível. Uma atuação única, poderosa, brilhantemente estruturada e icônica. Jennifer Connelly, especialmente na segunda metade do filme, mostra todo seu potencial dramático em cenas carregadas de emotividade sem sentimentalismos baratos. Logan Lerman mostra porque é um dos melhores atores da nova geração, com um excelente desenvolvimento de personagem, dissecando igualmente as dúvidas a que ele está submetido; no entanto, prejudicado, bem de leve, pelas escolhas do roteiro. As demais atuações, inclui-se ai a de Anthony Hopkins, são limitadas pelas escolhas da trama, e não fogem muito disso. Por outro lado, Emma Watson se mostra exagerada e extremamente caricata, abusando de caras e bocas, em uma atuação muito pobre.

  Darren Aronofsky, em Noé, ficou longe de conceber seu melhor filme. Porém, não podemos negar que seus pontos positivos são variados: a trama não deixa de ser inventiva, seu carro-chefe, a obsessão está presente, afiadíssima como nunca; o elenco é acertado; as escolhas técnicas boas apesar de uma falha aqui e outra ali. É um filme ambíguo, apontado não só pelos seus atos distintos, como por sua mensagem: o homem é ao mesmo tempo bom e mau, e cabe ao próprio decidir qual caminho vai tomar. Funciona, conscientemente ou não, como um espelho dessa natureza humana.E, ao fim da projeção, chegamos à conclusão de que a missão de Noé, na verdade, é descobrir o poder do livre arbítrio, a maior dádiva dada por Deus aos homens. É uma mensagem poderosa e completamente alinhada ao espírito da Bíblia, apesar de toda a autoralidade aplicada à película. Assim, Aronofsky não só dá novos ares ao gênero, mas mostra, negando o que havia sido constatado nos tempos idos do cinema de autor, que o bíblico e o inventivo podem andar de mãos dadas.

NOTA: 7,5

sábado, 22 de março de 2014

Ninfomaníaca - Parte II (2013) - Vício Frenético

A continuação da obra de Lars Von Trier mostra-se mais humana e intimista, perdendo um pouco das referências culturais que tanto desenvolveu em sua primeira metade; porém, sem perder o brilho, a ousadia e a originalidade. 


Nome Original- Nymphomaniac- Volume II

Diretor- Lars Von Trier

Roteiro- Original, de Lars Von Trier

Elenco- Charlotte Gainsbourg, Stellan Skarsgard, Stacy Martin e Shia La Boeuf 


Parte Técnica- Manuel Alberto Claro (F); Morten Hojgberg e Molen Marlene Stensgaard (E)


Data de Lançamento: 25 de dezembro de 2013, na Dinamarca






  Vício, em uma acepção gramatical, significa falha ou defeito. Na filosofia aristotélica, é o oposto da virtude, sendo a origem de uma série de comportamentos reprováveis e imorais dos homens. Já cientificamente, é usado para definir um quadro de dependência que alguma pessoa pode vir a desenvolver, seja em relação a uma substância, a alguém ou até mesmo a algo. Ninfomania é considerado um vício, vício por sexo. E é essa faceta que Lars Von Trier desenvolve na segunda parte da obra, de maneira bem mais visceral e menos cerebral que a primeira, mas ao mesmo tempo mais humana e crítica. A história recomeça com Joe recontando a sua vida a partir da vida a dois com seu amado Jerome.

   Se na primeira parte há uma verdadeira psicanálise do sexo, destrinchando suas conexões com a vida de maneira geral; nesse segundo ato temos uma psicanálise realmente humana, um aprofundamento nas necessidades de Joe e nos malefícios de seu desejo sexual insaciável. Afinal, desde o início da obra, estamos acompanhando sua trajetória. Totalmente incapaz de viver uma relação familiar e afetiva estável, nossa personagem se vê castrada, insensível aos estimulos sexuais que possam vir a ocorrer. Busca no sadomasoquismo a saída, descobrindo um lado obscuro do sexo e uma nova forma de conseguir o prazer, mas com um custo muito caro: perde sua família; perde sua integridade física e sua moralidade. O vício a consome (e a mudança da jovem Stacey Martin pela mais experiente Charlotte Gainsbourg no papel pontua isso); a destrói. Tem que se livrar dele, se disciplinar, diminuir seus impulsos. Não consegue, o abraça, mas se isola da sociedade: a marginalidade torna-se o único caminho para um pária social; um rejeitado.

   Porém, questiona seu psicanalista improvisado: será que a culpa de tudo, para início de conversa, não é da sociedade? Não é ela que nos cria amarras em nome do moral, do correto? Não é ela que diz o que devemos ou não fazer? Que tolhe nossa individualidade? Não é nossa sociedade que, historicamente, condena a mulher pela busca ao prazer enquanto o aplaude o homem tido "macho alfa", o "pegador"? São as reflexões que surgem no decorrer da narrativa, bem colocadas, corretas: Lars von Trier nos convida a buscar um novo olhar sobre a repressão social moral. Qual será o verdadeiro mal: o vício por sexo ou a necessidade constante de limitá-lo? Limitação essa que não parte do indivíduo, mas sim de convenções erigidas milhares de anos atrás pela filosofia, pela moral ou pela religião... por uma construção necessariamente arbitrária, de controle em nome de algo maior. O filme torna-se mais ousado não só na visceralidade das cenas, mas também no tom ácido que assume.


  No que tange as atuações, continuam afiadíssimas. Stellan Skarsgard segue brilhante como Seillig; Stacey Martin aparece bem pouco sem perder os traços da sua grande interpretação. Shia LaBoeuf volta mais demandando, crescendo em seus arcos dramáticos; o mesmo acontecendo com Charlotte Gainsbourg, perfeita no conflito perene em que se situa Joe, do céu ao inferno, da maravilha a danação, na sua passagem, como bem pontua a filme, da Igreja Oriental para a Ocidental, da alegria de viver para a dor e o sofrimento da solidão. O grande destaque de coadjuvante fica com Jayme Bell, totalmente magnético como um sádico, psicótico e completamente perdido em seu vício pela dor. Tecnicamente o filme continua brilhante, com a mesma edição frenética e envolvente, a câmera intimista e com maior destaque a trilha sonora, incrementada com mais peças clássicas e cada vez mais conectada à trama.

  Lars Von Trier alcança, na união das duas partes, sua obra prima. A primeira intelectual, pop e até mesmo cômica; a segunda mais intimista, humana, depressiva e questionadora. Abusando da quebra da quarta parede em momentos de pura genialidade; coloca o sexo como centro do mundo e a sociedade como um vilão que nos impede de ver isso. Sua mensagem é poderosa, e, o mais importante, progressista, feminista e revolucionária em tempos de Marcha com Deus pela Familia e Liberdade e Rachéis Sherazharde; pautada na ideia de que o poder social corrompe, marginaliza, desvirtua conceitos, quebra a individualidade e, principalmente, nos torna verdadeiros hipócritas. A psicologia e a cultura são os fios condutores dessa ousada obra que não só diverte e impacta mas nos faz pensar sobre nossos conceitos e preconceitos, a opressão contra mulher e a marginalização ; ou, usando a expressão de Michel Foucault, a microfísica do poder de controle sobre os impulsos sexuais. E nos deixa, em aberto, após um duplo clímax espetacular (um deles, inclusive, usando acertadamente os conceitos de transferência e contra-transferência da psicologia), a seguinte pergunta: qual o mal maior, ser verdadeiro consigo mesmo ou seguir o que os outros falam que é certo?

Nota: 9

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Nebraska (2013) - Prisioneiros do Passado

  Alexander Payne faz um exercício de lógica visual preto e branco para tratar do passado e do homem que é seu prisioneiro; assim como romper as grades dessa prisão com muito bom humor. 



Nome Original- Nebraska


Diretor- Alexander Payne 


 Roteiro- Original, por Spike Jonze


Elenco- Bruce Dern, Will Forte e June Squibb

Parte Técnica-  Phedon Papamichael (F); Kevin Tent (E); Mark Oton (TS)

 Data de Lançamento: 23 de Maio de 2013, no Festival de Cannes







Somos o que vivemos algum dia, isso é inegável. É pelas experiências que aprendemos a melhorar no futuro, nos reinventar. E não existe melhor professor que aquilo que vivenciamos. O problema é quando não conseguimos aprender com as falhas do passado e vivemos presos a elas, remoendo o que poderia ser no lugar de buscar o melhor e novo no presente.  A vida na prisão ao passado é sem cor, sem motivação, é algo sem graça e sem busca pelo diferente ou pelo melhor. E é com lentes em preto e branco que Alexander Payne trata desse tema em Nebraska.



 Woody Grant (Bruce Dern), um velho alcoolátra, recebe uma carta dizendo que ganhou 1 milhão de dólares, e que deveria pegar seu prêmio em Lincoln, Nebraska. No entanto, ninguém acredita que o prêmio seja real e o mesmo tenta partir sozinho em busca do mesmo, até que seu filho (Will Forte) decide ajudá-lo. Imprevistos ao longo da viagem fazem com que eles parem na pequena cidadade natal de Woody, onde vários detalhes do seu passado que explicam muito o comportamento e personalidade do mesmo. Esse reencontro com o que passou em um lugar onde tudo parece igual vai mostrar que, infelizmente, o protagonista dessa história não superou tudo que passou, mas vê no prêmio uma forma de mudar sua vida definitivamente.

O filme não é só sobre a inocência de um homem que, com o tempo, descobrimos bondoso e inocente, mas sobre como superar um passado traumático. Woody sempre foi uma pessoa calada e de bom coração, disposto a ajudar aqueles que precisam; no entanto, nunca recebeu o reconhecimento de seus pares por isso. Portanto, tornou-se uma pessoa triste, e buscou no álcool a fuga para sua realidade. Via no prêmio mais que uma chance de mudar, ele vê na salvadora carta premiada uma recompensa da vida por tudo o que fez e uma chance de ajudar ainda mais aqueles que o cercam. É um novo escapismo, só que agora na fantasia, e que ao mesmo tempo cria esperanças em, finalmente, um futuro. O problema é que o mundo não pensa da mesma maneira que ele: é um derrotado, não merece o que vai receber, ou até merece, desde que eu receba também uma parte disso. Seu filho percebe logo esse quadro e tenta ajudá-lo a romper com essa história que o atormenta; nem que para isso tenha que subverter a realidade.



A lógica visual do filme, com sua fotografia em preto e branco nos remete a essa prisão no que passou. Não só isso, como mostrar que o mundo onde se passa a ação, a cidade natal do protagonista, também parou no tempo, não evoluiu apesar do envelhecimento de seus personagens, dedicados remoer o passado sempre que. É uma aplicação inteligente da técnica em prol da narrativa e da temática, e é o grande acerto do filme. Aliado a isso temos uma trilha sonora country/jazz melancólica, o estado de espírito do espaço temporal em que acompanhamos o desenrolar da trama. A edição é boa, e só, nada inventivo ou fora dos padrões normais, apenas ajuda na fluidez da película.

As atuações também são outro grande acerto do filme. Bruce Dern cria, com base em excelente linguagem corporal, um Woody brilhante. Ébrio, melancólico, desligado da vida e com um desejo de ser feliz com o prêmio que ganhou, mostra porque ganhou o prêmio de melhor ator em Cannes. Já Will Forte, em uma química excelente com o primeiro, faz o filho, essencialmente preocupado com o pai e o primeiro a se levantar contra todos os fantasmas do passado do mesmo, questionador e extremamente amoroso. June Squibb faz a esposa de Woody, uma mulher desbocada e presa igualmente ao passado, porém com capacidade de analisá-lo de maneira crítica e cética, servindo como ótimo contraponto e, ao mesmo tempo, um excelente alívio cômico. Outras atuações pontuais como os familiares e habitantes da pequena cidade são igualmente boas, e passam bem o clima do filme.

Alexander Payne volta ao drama familiar e se mostra mais afiado do que nunca. Com uma reflexão sobre se prender ao passado e à necessidade de ser feliz pelas opiniões alheias, une, mais uma vez, a comédia inteligente tirada de situações quotidianas e o drama sem exageros das situações familiares. Com um apuro técnico invejável para os padrões hollywoodianos, mostra que não se precisa de muito para fazer bonito, que menos pode sim, ser mais; e que não existe nada melhor que uma boa história. Uma grande surpresa na corrida pelo Oscar e um must see para todos aqueles que curtem filmes descompromissados e, mesmo assim, abertos para a reflexão.

NOTA: 8

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Ela (2013) - Sétima Arte

"É como se eu estivesse lendo um livro , e é um livro que eu amo profundamente.Mas , agora , estou lendo-o devagar. As palavras estão muito separadas,e os espaços entre elas são quase infinitos.Ainda consigo te sentir. E as palavras da nossa história. Mas é nesse espaço infinito entre as palavras, que me encontro agora. É um lugar que não está no mundo físico. É onde todo resto está ,e eu nem sabia que existia." Essas são as palavras de Samantha, sistema operacional e personagem chave de Ela. Um filme,  poético, metafórico, sentimental, e casado perfeitamente com o racional. 

Nome Original- Her

Diretor- Spike Jonze

 Roteiro- Original, por Spike Jonze

Elenco- Joaquin Phoenix, Amy Adams, Scarlett Johansson, Olivia Wilde e Rooney Mara


Parte Técnica- Hoyte Van Hoytema (F); Eric Zumbrunnen e Jeff Buchanan (E); Arcade Fire(TS)


 Data de Lançamento: 13 de Outubro de 2013, no New York Filme Festival
  


Platão é um filosofo que dispensa qualquer tipo de apresentação, definiu em sua obra O Banquete, o amor é a eterna busca pelo que não temos, pelo além, pelo verdadeiro, enfim, pelo ideal. O amor para o mestre é a virtude, o puro, além do físico e de qualquer interesse passional, verdadeiras máculas. É a busca por algo transcendental, que leva à beleza e à contemplação. É algo extramundano, enfim. E é um dos temas da moderna fábula Ela, de Spike Jonze. Em um futuro não muito distante, Joaquin Phoenix vive Theodore,  um homem recém divorciado que trabalha escrevendo cartas de amor para casais ou famílias que não conseguem realmente expressar o que sentem. Solitário e magoado, compra um novo sistema operacional que promete ser mais que um gestor da vida pessoal de seu dono, mas um confidente, um analista. E assim conhece Samantha ( não só dublada como interpretada por Scarlett Johansson) a voz e inteligência artificial do software, com quem fica cada vez mais íntimo, até chegar ao ponto de se apaixonar por ela. 

  São tantos os temas que podem ser apontados em Ela que fica até difícil escrever sobre eles. O maior deles, obviamente, é a relação platônica que se desenvolve entre o homem e sua máquina. Platônica porque nada mais é que a busca de Theodore pela mulher ideal, uma vez que saiu de um relacionamento conturbado com uma pessoa que gostaria de passar a vida inteira junto. Vemos um ser humano completamente perdido pela dor e pelo vazio deixado, sendo viver o ideal a única saída que ele tem para voltar a ser feliz. Ora, o que é o amor ideal senão uma manifestação da individualidade de quem ama? É uma fantasia, um produto da imaginação como vários outros; nada mais, nada menos que uma projeção de como queremos que os outros lidem conosco. E isso ajuda, claro. Ajuda a refletir sobre o que vivemos anteriormente e porque isso não deu certo. O personagem do filme acaba por se reencontrar e por fazer uma auto-análise ao vivenciar toda a loucura de amar uma voz, um programa de computador. Ele só é o que é porque viveu um relacionamento, que apesar das desvantagens, o moldou; e percebe que tudo pode ter dado errado porque ele projetou no plano fático um ideal. Portanto, aí está uma das grandes sacadas do filme: não é uma simples história sobre o amor ideal, é uma análise reflexiva sobre esse ideal e sobre como ele pode influenciar nas nossas vidas. Não só isso, como todo relacionamento passado tem coisas boas e coisas ruins, e como cada um de nós cria para nós mesmos a história do que vivemos, uma seleção de memórias. Não só nos faz sentir todos os difíceis percalços que são os relacionamentos e nos faz refletir sobre eles o tempo inteiro. 
    
   Her, no original, também é uma ficção científica, e como todas, busca criticar algum vício moderno em torno da alegoria. Que alegoria? Nós realmente estamos vivendo uma época de relações sociais artificias. Ao mostrar um mundo frio e totalmente vazio, Spike Jonze nos leva a questionar toda a dependência para com a tecnologia, a busca por um retorno imediato, um conforto momentâneo e fugaz. Nada mais é que a relação de Theodore e Samantha: ela sabe tudo sobre ele a partir das informações e sensações que ele compartilha e dá a resposta que ele precisa ouvir. Mais uma vez vemos aí o amor ideal que nada mais é que o mecânico de uma gestão de informações e respostas rápidas; nada mais que um software mesmo. Há uma relação de dependência entre homem e máquina, o que não é recíproco, é simplesmente um processo criado por programadores. E o pior: Theodore não é o único que se encanta pelo programa. Toda sociedade está claustrofóbica e impessoal, anti-humana, que todos desenvolvem verdadeiros relacionamentos com seus respectivos softwares, é natural. Tão natural desejá-los que outros servem como intermediários sexuais entre a voz e o seu dono de carne e osso. Será esse o futuro negro que nos está reservado? Poderemos na era dos tablets e dos microssegundos reverter isso ou estamos fadados a uma dependência emocional para com as máquinas?

  São tantos questionamentos de rara beleza e inteligência que, incrivelmente, não perdem o lado sentimental. E muito disso se deve a Joaquin Phoenix, simplesmente primoroso. Detalhista em expressar os sentimentos de Theodore, nos conquista e emociona da primeira a última cena. Sofremos com ele, buscamos um novo sentido, uma nova cor na vida; nos encatamos com Samantha, nos decepcionamos, nos questionamos... tudo isso ligado a uma atuação arrebatadora, minimalista, real. Theodore é o nosso espelho, ou melhor, o espelho de nossas almas calejadas. Todos sofrem por amor, todos ficam presos a resquícios perdidos na memória e todos tem que lutar contra isso para superar. A sensibilidade que acompanha o trabalho desse brilhante ator é impossivel de passar desapercebida e de tocar os corações da platéia, uma verdadeira aula sobre a emoção sem precisar exagerar ou apelar. Scarlett Johansson é a voz... mas em nenhum momento percebemos ela como tal, isso seria simplista. É real, podemos sentir sua presença, imaginar seus traços como se estivesse onipresente durante a projeção, nos deixamos seduzir por ela em todas as suas nuances, suspiros e risos verdadeiros. É realmente apaixonante. E somente uma atriz de primeira linha poderia nos proporcionar uma gama tão extensas de emoções apenas pelo timbre, pela forma de se deliciar com as palavras. E é isso que ouvimos não só pelos sentidos, mas diretamente na alma, um trabalho de primeira, único e especial. Amy Adams está ali para nos lembrar que Theodore não é o único que passa por dificuldades e tem vazios existenciais, assim como também não é o único a se refugiar no alento de uma máquina, uma atuação discreta e igualmente tocante. Olivia Wilde e Rooney Mara vem pra nos mostrar, em quase pontas, o quanto superar o que deu errado é difícil e doloroso. 

A técnica, por sua vez, está a serviço do brilhante filme. A fotografia é intimista, está a serviço da atuação de Joaquin; mostra cada detalhe, cada expressão, cada passo da vida melancólica que ele vive. Está com cores mais escuras ou mais brilhantes, a serviço de seu estado de espírito; um contraponto também, em conjunto com a direção de arte, para mostrar o mundo cinzento em que a história se passa, e o calor da redescoberta do amor pelo personagem principal. Consegue um feito talvez inédito: a beleza total em uma cena de simples tela escura. O poder arrebatador da imaginação. A edição, brilhante, mostra flashbacks, visões de mundo e sensações, constrói Theodore assim como toda a lógica visual do filme. E claro, não podia faltar a minimalista e bela trilha sonora da banda canadense Arcade Fire, sob a batuta, claro, da alma de nosso anti-herói (ou simplesmente, nosso igual), denotando todas as sensações e maravilhas, a alma desse Ciryano de Bergerac pós-moderno. 

 Spike Jonze, o capitão, sempre criativo e surpreendente, não perde essa característica. No entanto, é crítico e ao mesmo tempo sensível; é um poeta e ao mesmo tempo cientista social. Não nos traz uma comédia romântica sobre o amor perfeito; uma ficção científica sobre os males da sociedade da informação ou um drama sobre o que perdemos pelo caminho. Ele nos traz um filme sobre a vida, não minha, não sua, mas de todas as pessoas, de seres humanos. E a vida não se explica racionalmente: tem que ser sentida, saboreada, vivenciada. Longe de melodramas, a tristeza existe; longe de hipérboles, o amor existe; assim como a dor; a alegria, o medo e a solidão. E sim, ele consegue nos fazer sentir isso tudo ao nos colocar sob a pele de Theodore, com sua câmera totalmente pessoal; nos fazer rir, nos fazer chorar, nos fazer viver. Mas vai além: racionaliza tudo sem perder qualquer sentimento, questiona o que vivemos, quem somos, o que podemos ser, o que idealizamos, como levamos nossos relacionamentos, o que tiramos deles... nos faz pensar. Pensar sobre a vida e refletir sobre o tudo, o universo. E como nos falou uma vez Eduardo Coutinho, falecido esse mês, grande é o cineasta que levanta as perguntas, e não aquele que nos dá a resposta. E é nesse casamento perfeito entre o coração e a razão que Jonze nos entrega Ela. Mais que um filme, uma obra que justifica o Cinema receber o nome de Sétima Arte. É um daqueles filmes que aparecem de tempos em tempos, revoluciona com uma temática ao mesmo tempo simples e densa. É a combinação perfeita e única entre poesia, crítica, prosa e estudo antropológico. 
Talvez nada dessa análise faça sentido, afinal, é uma experiência subjetiva única. Assista a Ela; se encante com Ela, refleta sobre Ela, se emocione com Ela, se envolva por Ela.... se apaixone por Ela. Afinal, a paixão é a única forma de loucura socialmente aceitável, até mesmo por uma inteligência artificial. Por que não por um filme? 

NOTA: é impossível mensurar essa obra de arte por um número e seria um pecado fazê-lo.